O simples facto de se dizer
que todos são iguais perante a lei,
já é uma injustiça
Não me lembro onde li isto
Matola, 2 de Setembro de 2009
A Ouri Pota
Te recordas das noites quentes de Maputo, mano?
Te escrevo cá do Indico meu irmão, onde ainda saboreamos timidamente, pelas rádios nacionais, as gostosas músicas dos Gorwane e Celso Ricardo anuncia, pelo menos uma noite do Alambique com o bom do Hortêncio Langa e Arão Litsuri.
Quando assunto é arte me assumo saudosista. Isto vem dos tempos que percorríamos as noites de Maputo nos intermináveis “concertos Verão” de Alex Barbosa em que a capital se transformara no poço dourado dos músicos angolanos primeiro e cabo-verdianos mais tarde.
Te recordas mano? Éramos jornalistas culturais.
Nessa altura os debates televisivos e radiofónicos preenchiam duas horas a discutirem se era música moçambicana ou música feita por moçambicanos. Até hoje não sei o que se pretendia porque os meus manos dos MOZPIPA não pararam de cantar morena de Moçambique e as mulheres se deliciavam com a sua forma elegante de vestir.
Nessa altura, mais do que discutir, mano, o país que saía de uma longa guerra civil – é esta a denominação não? Guerra civil? – dizia que mais do que discutir terminologia, o queríamos era saborear a paz. Era não perdermos tempo com a paternidade da democracia, já nos bastava sairmos a noite para vermos jazz e aplaudirmos a explosão teatral que se fazia sentir pelas ruas da capital.
Nessa altura o teatro era muito mais que uma simples arte de contar história. Era um micro espaço onde os actores se revestiam de alma de todos nós e reinventavam os seus sofrimentos. Gilberto Mendes, tal como na brincadeira das escondidas de mutumbela iria gungular que é preciso rir das próprias desgraças. É nisso que se transformou ou se fez o teatro de Gungu: um espelho de nós mesmos em todas as nossas vergonhas.
Mas não tínhamos nada que discutir política como diz a música angolana que Valdemar Bastos não se cansa de recriar e o fez muito bem com Dulce Pontes – você menino não fala política.
Sim mano, já nos bastava sermos cidadãos desta princesa de Índico. Olha que ser cidadão nesta nossa terra não é coisa fácil. Não falo de renuncia que cada um de nós se sujeita na altura de votação, onde nos dizem que é a melhor altura para exercer a cidadania. Falo concretamente de falta de opções para o tipo de cidadão que desejamos ser.
Sim mano Pota. Nos dão várias opções mas todas elas com um único modelo como se fosse uniforme prisional.
Percebes?
O que quero dizer é que este nosso país vai as eleições no próximo mês e ainda não me ofereceram alternativas para a escolha. Me dizem simplesmente que o partido no poder está errado e que precisamos de o afastar.
Mesmo que isso fosse verdade, preocupa me a inexistência de alternativa; preocupa-me que ainda não tenha aparecido ninguém a apresentar-me uma forma alternativa de fazer as coisas que diz estarem erradas do partido no poder, a dizer me: o meu plano é este.
Naquela altura não podíamos discutir porque precisamos dançar pela paz e saborear a liberdade de percorrer as distâncias desta pátria amada. O espectro da guerra pairava no ar.
Passados tantos anos, há gente que ainda não se apercebeu que o país avançou e ainda repetem o mesmo discurso como arma eleitoral. Perdem-se em insultos e promessas de perseguição e o tempo de apresentarem as suas ideias escasseia, voa.
Num debate televisivo sobre a democracia interna que vi em repetição hoje na STV, o maior tempo foi para os membros da Renamo presentes dizerem que não havia democracia na Frelimo e os da Frelimo dizerem que a Renamo, em face do que nos dá a conhecer, era o mais claro exemplo da ditadura. E daí?
E olha que os nossos partidos são especialistas em desculpas. A velha cantiga de falta de fundos para trabalharem não falta, como também não falta a já velha e gasta ideia de favoritismo de Estado por parte da Frelimo.
Estou a dizer mano Pota que não há exposição de ideias.
Ontem estava a ver na RTP a Grande Entrevista de Judite de Sousa e José Sócrates, onde o Primeiro-ministro de Portugal dizia claramente que a escolha seria, para além de propostas que ele e Ferreira Leite apresentam, as suas personalidades.
Está claro que Portugal vai escolher a personalidade do indivíduo. Um grupo de especialistas de moda já veio dizer que para impressionar, Ferreira Leite deve mudar tudo enquanto Sócrates deve mudar personalidade.
Que personalidade apresentam os nossos políticos. Que discursos trazem para nos impressionarem, o que podemos esperar do nosso próximo líder? O que estou a perguntar é o que vamos escolher? É isso que espero que a campanha eleitoral prestes a começar nos apresente.
Mas, meu companheiro, não preciso ser advinho para saber que a campanha será feita de insultos pessoais, provocações entre os apoiantes e os porta-vozes a esforçarem se para (como crianças) dizerem foram eles que começaram.
Depois dos últimos acontecimentos de vandalismo entre os simpatizantes da Frelimo e Renamo onde se diz que o líder da perdiz andou aos tiros, onde se diz que os membros dos camaradas saíram armados; com um país onde membros da perdiz arrancam armas a polícia por aquilo que chamam de “abuso” não posso esperar muito, nem mesmo me que me digam que somos todos iguais perante a lei.
O que espero, mano Pota, é te escrever sobre os livros que estão a ser lançados, continuar a discutir com os meus amigos da CNCD por causa da minha aversão a dança contemporânea.
Hoje vou ver um bailado de Casimiro Nhussi sobre ritual de iniciação, depois me perderei no Franco para o lançamento de disco de João Cabral e, procurarei ver a Rebelião dos Sinais, a peça de Rogério Manjate.
Mano, quando voltares espero que te sobre tempo para veres a minha peça de teatro com Xilofone.
Um abraço
PC