"Matar e agir com violência fazem parte
da imagem do bandido social.
O terror faz parte de sua imagem pública.
São heróis, não a despeito do medo
e horror que inspiram suas acções,
mas por causa deles.
Não são vistos como agentes da justiça,
e sim como homens que provam
que até mesmo os fracos e pobres podem ser terríveis."
Trecho de “Bandidos” de E. J. Hobsbawm, citado
em “Comando Vermelho: história secreta do crime
organizado” de Carlos Amorim
da imagem do bandido social.
O terror faz parte de sua imagem pública.
São heróis, não a despeito do medo
e horror que inspiram suas acções,
mas por causa deles.
Não são vistos como agentes da justiça,
e sim como homens que provam
que até mesmo os fracos e pobres podem ser terríveis."
Trecho de “Bandidos” de E. J. Hobsbawm, citado
em “Comando Vermelho: história secreta do crime
organizado” de Carlos Amorim
Para Nhykiwa Pedro
Matola, aos 3 de Junho de 09
Querida Nyikiwa,
Esperava que a primeira carta que te escrevesse fosse mais lírica. Queria te falar de poesia que gostas e da prosa que eu amo depois de ter visto alguns textos teus.
Mas tudo isso mudou minha querida, embora não perca a esperança de fazer uma viagem por aquilo que Fernando Pessoa chamou de “prosa ao verso” e espreitar a liberdade que este género nos oferece em alternativa da “prisão” que é a poesia.
Escrevo para te falar de sonhos. Neste caso “um estranho” sonho.
Numa segunda-feira, fiquei enfrente a TV para ver “Repórter Record” na Mira-Mar. Tenho uma paixão pela reportagem, acho que é o maior género jornalístico embora haja quem olhe mais para a notícia. Aqui voltaria, Nyikiwa, a mesma ideia de prosa e poesia. Assim a notícia se apresenta, quanto a mim, como a poesia, isto é, “prisão” das regras, e reportagem como prosa, o mesmo que liberdade. Talvez um dia te fale disto.
A reportagem de que te escrevo era sobre a criminalidade. O cenário era as favelas brasileiras e toda a sua violência. Num desses momentos perguntaram a algumas crianças sobre o que queriam ser e, invariavelmente, todas queriam ser bandidas.
Seria esse um estranho desejo se nos esquecêssemos que todos nós aprendemos de exemplos e temos uma tendência a nos deixarmos influenciar.
Aquelas crianças vivem no meio da violência onde, segundo várias notícias, o Estado só se faz lá sentir através do exército ou polícia que sobe para combater os soldados do tráfico.
O verdadeiro Estado podes ver “Comando vermelho: história secreta de crime organizado” escrito pelo jornalista Carlos Amorim. Dizia que o verdadeiro Estado nas favelas é o crime organizado que impõe a sua lei e decide quem deve morrer e quem deve viver. Esses homens fazem uma demonstração clara de dinheiro, mulher e poder que fascina a criançada.
Também senti essa sensação nas salas da escola primária de T-3 quando me vi obrigado a mudar de sonho de ser polícia para correr atrás da vontade de ser militar.
“Entre polícia e militar quem bate a quem?” perguntavam os meus amigos na inocência dos seus 8 anos.
Estávamos a viver os momentos da guerra civil. Me fascinava o uniforme caqui da nossa polícia com o colt de pistola na cintura. Eles tinham pose de protectores oponentes. Eram, para mim o rosto forte do Estado. Eram os mais forte, pelo menos na minha inocência.
Era bom ser polícia. Eu queria ser polícia!
Mas para muitos da minha turma o militar é que detinha o poder. Ele batia o polícia!
Na minha rua, numa casa onde vendiam “mal-coado”, uma tradicional cerveja de farelo que se fermentava nos potes e “tontonto”, aguardente que o humorista Sérgio Zimba apelidou de whisky tradicional… escrevia que na minha rua, os militares bem uniformizados passeavam ali o seu charme e poder.
Trocavam ali as suas rações de combate por canecas de mal-coado. Exibiam mulheres a todo o momento. Andavam em potentes carros “Matchedje” de “10 anos de luta” e os carros tinham de se afastar da frente. Eram os donos da estrada.
Eles eram também temidos pela falta de medo – pelo menos era a imagem que eu tinha – e pela violência gratuita que por vezes era interpretada como um “não me abusem.” Penso que te lembras das canções que apelavam às mulheres para “não amar militares”.
O que nós gostávamos nos militares era essa demonstração de poder representada pela força física.
Ainda na minha rua, todos nós, putos, nos reuníamos a volta de um jovem militar quando aparecesse. Ele contava histórias fantásticas do exército nacional contra os rebeldes da Renamo. Era fascinante ouvir a bravura de um militar.
Eu não podia mais querer ser polícia. Queria ser militar.
Penso que percebes a ideia de poder que fascina essas crianças. Não falo só das favelas brasileiras. O mesmo acontece no nosso país.
A justificação que estas crianças dão para serem bandidas, pelo menos na reportagem, é mais humanitária, se é que se pode ver o lado humanitário no crime. “Quero ser bandido para ter dinheiro e ajudar minha família.”
Mas diferentes relatórios mostram que o que está por detrás do sonho de ser bandido é o poder!
A ideia de dominar o outro, ser venerado e temido nos faz correr atrás desse estranho desejo. Se prestares atenção verás que muitas das crianças do meu país se fascinam com filmes de violência e geralmente escolhem o bandido.
O meu sobrinho, quando brincasse com os seus amigos depois de ver a telenovela “Prova de Amor”, só queria ser Lopo Júnior ou o “chefe da cúpula” ignorando por completo os abnegados jovens polícias que tudo faziam para manter a ordem.
A lição de que o bandido sempre perde, sofre ou morre no final, parece não apelar para o lado delas. Ter poder, dominar a polícia, brincar com as instituições do Estado, pôr em causa a dignidade delas tem mais força apelativa que qualquer lição de moral.
Facilmente Agostinho Chauque, com todo o mediatismo que se dá nos órgãos de comunicação, soando mais a elogios a sua capacidade de dribilar a polícia, capta mais admiradores adolescentes que o impacto que possa ter a morte dos seus companheiros. Tem mais bravura que um exército de polícia que abate um criminoso. E quanto mais tempo durar uma operação para neutralizar um bandido que troca tiros com a polícia, maior é a sua chance de ser herói e conquistar novos adeptos.
O que queria te dizer Nyikiwa é que os desejos, os sonhos e admiração que os bandidos causam nos jovens das favelas brasileiras também podem ser encontrados no “país de marrabenta.” Afinal aprendemos de exemplos.
Precisamos de um outro apelo que não seja o chavão “bandido sempre sofre” pois esse parece já não funcionar.
Precisamos de novos exemplos e uma estrutura social funcional.
PC
Mas tudo isso mudou minha querida, embora não perca a esperança de fazer uma viagem por aquilo que Fernando Pessoa chamou de “prosa ao verso” e espreitar a liberdade que este género nos oferece em alternativa da “prisão” que é a poesia.
Escrevo para te falar de sonhos. Neste caso “um estranho” sonho.
Numa segunda-feira, fiquei enfrente a TV para ver “Repórter Record” na Mira-Mar. Tenho uma paixão pela reportagem, acho que é o maior género jornalístico embora haja quem olhe mais para a notícia. Aqui voltaria, Nyikiwa, a mesma ideia de prosa e poesia. Assim a notícia se apresenta, quanto a mim, como a poesia, isto é, “prisão” das regras, e reportagem como prosa, o mesmo que liberdade. Talvez um dia te fale disto.
A reportagem de que te escrevo era sobre a criminalidade. O cenário era as favelas brasileiras e toda a sua violência. Num desses momentos perguntaram a algumas crianças sobre o que queriam ser e, invariavelmente, todas queriam ser bandidas.
Seria esse um estranho desejo se nos esquecêssemos que todos nós aprendemos de exemplos e temos uma tendência a nos deixarmos influenciar.
Aquelas crianças vivem no meio da violência onde, segundo várias notícias, o Estado só se faz lá sentir através do exército ou polícia que sobe para combater os soldados do tráfico.
O verdadeiro Estado podes ver “Comando vermelho: história secreta de crime organizado” escrito pelo jornalista Carlos Amorim. Dizia que o verdadeiro Estado nas favelas é o crime organizado que impõe a sua lei e decide quem deve morrer e quem deve viver. Esses homens fazem uma demonstração clara de dinheiro, mulher e poder que fascina a criançada.
Também senti essa sensação nas salas da escola primária de T-3 quando me vi obrigado a mudar de sonho de ser polícia para correr atrás da vontade de ser militar.
“Entre polícia e militar quem bate a quem?” perguntavam os meus amigos na inocência dos seus 8 anos.
Estávamos a viver os momentos da guerra civil. Me fascinava o uniforme caqui da nossa polícia com o colt de pistola na cintura. Eles tinham pose de protectores oponentes. Eram, para mim o rosto forte do Estado. Eram os mais forte, pelo menos na minha inocência.
Era bom ser polícia. Eu queria ser polícia!
Mas para muitos da minha turma o militar é que detinha o poder. Ele batia o polícia!
Na minha rua, numa casa onde vendiam “mal-coado”, uma tradicional cerveja de farelo que se fermentava nos potes e “tontonto”, aguardente que o humorista Sérgio Zimba apelidou de whisky tradicional… escrevia que na minha rua, os militares bem uniformizados passeavam ali o seu charme e poder.
Trocavam ali as suas rações de combate por canecas de mal-coado. Exibiam mulheres a todo o momento. Andavam em potentes carros “Matchedje” de “10 anos de luta” e os carros tinham de se afastar da frente. Eram os donos da estrada.
Eles eram também temidos pela falta de medo – pelo menos era a imagem que eu tinha – e pela violência gratuita que por vezes era interpretada como um “não me abusem.” Penso que te lembras das canções que apelavam às mulheres para “não amar militares”.
O que nós gostávamos nos militares era essa demonstração de poder representada pela força física.
Ainda na minha rua, todos nós, putos, nos reuníamos a volta de um jovem militar quando aparecesse. Ele contava histórias fantásticas do exército nacional contra os rebeldes da Renamo. Era fascinante ouvir a bravura de um militar.
Eu não podia mais querer ser polícia. Queria ser militar.
Penso que percebes a ideia de poder que fascina essas crianças. Não falo só das favelas brasileiras. O mesmo acontece no nosso país.
A justificação que estas crianças dão para serem bandidas, pelo menos na reportagem, é mais humanitária, se é que se pode ver o lado humanitário no crime. “Quero ser bandido para ter dinheiro e ajudar minha família.”
Mas diferentes relatórios mostram que o que está por detrás do sonho de ser bandido é o poder!
A ideia de dominar o outro, ser venerado e temido nos faz correr atrás desse estranho desejo. Se prestares atenção verás que muitas das crianças do meu país se fascinam com filmes de violência e geralmente escolhem o bandido.
O meu sobrinho, quando brincasse com os seus amigos depois de ver a telenovela “Prova de Amor”, só queria ser Lopo Júnior ou o “chefe da cúpula” ignorando por completo os abnegados jovens polícias que tudo faziam para manter a ordem.
A lição de que o bandido sempre perde, sofre ou morre no final, parece não apelar para o lado delas. Ter poder, dominar a polícia, brincar com as instituições do Estado, pôr em causa a dignidade delas tem mais força apelativa que qualquer lição de moral.
Facilmente Agostinho Chauque, com todo o mediatismo que se dá nos órgãos de comunicação, soando mais a elogios a sua capacidade de dribilar a polícia, capta mais admiradores adolescentes que o impacto que possa ter a morte dos seus companheiros. Tem mais bravura que um exército de polícia que abate um criminoso. E quanto mais tempo durar uma operação para neutralizar um bandido que troca tiros com a polícia, maior é a sua chance de ser herói e conquistar novos adeptos.
O que queria te dizer Nyikiwa é que os desejos, os sonhos e admiração que os bandidos causam nos jovens das favelas brasileiras também podem ser encontrados no “país de marrabenta.” Afinal aprendemos de exemplos.
Precisamos de um outro apelo que não seja o chavão “bandido sempre sofre” pois esse parece já não funcionar.
Precisamos de novos exemplos e uma estrutura social funcional.
PC
11 comentários:
Boa Mapengo,
A tua carta levanta questões muito pertinentes, uma delas é a aprendizagem por observação. É preciso discutirmos até que ponto a violência na mídia tem efeito no comportamento das crianças/adolescentes.A história que contas do Lopo Júnior é real, e não só sucede em relação as novelas, hoje os bonecos animados também têm cenas violentas(algumas eróticas até).
Estas cenas (violentas) geralmente são protagonizadas pelos “heróis” em defesa de valores sociais como familia, amigos etc, isso pode fazer com que as crianças passem a considerar aqueles comportamentos normais.
Concordo contigo em relação a necessidade de se reformular o chavão de que o “bandido sempre sofre”, aliás se reparares existe uma tendencia principalmente nos filmes recentes que é totalmente contrária a esse chavão, não sei se na prespectiva de aproximar a ficção a vida real, a verdade é que o bandido não morre, nem sofre!
Outro problema é o papel dos pais, será existe um mecanismo de explicar aos nossos filhos que tudo aquilo que passa nos filme/novela/bonecos é de mentirinha? Eu tive muitas dificuldades em explicar ao meu filho que o “spiderman” não voa de verdade... imagine amigo Mapengo que ele também queria voar???!
Olá Yndongah
Obrigado por teres passado para cá para ler esta carta.
Olha que não resisti a uma risada com a ideia de voar e imagino o seu esforço para convencer o seu filho que o “spiderman” não voa. Até que ponto ele acredita que estás a dizer a verdade se a TV mostra “homem arranha” a voar de edifício em edifício.
O que eu penso Yndongah é que há muito que as responsabilidades de educação foram transferidas para a TV e outras máquinas. O esforço que temos é de comprar os últimos vídeo jogos para os nossos filhos simplesmente porque “ele quer.” E ainda nos justificamos perante aos nossos amigos: “se não tiver esse vídeo não posso entrar em casa.”
Ele quer? Será que é bom que ele tenha tudo que quer?
Não vamos negar que o que fascina são os jogos de heróis e todos queremos ser heróis. A TV e os jogos vão atrás desse nosso desejo e as histórias de felizes para sempre parece ficarem para… história. Assim, o comercial apela para que o bandido não mora no final, que ele se ria de todo o nosso sistema.
Se não prestarmos atenção, as tristes notícias que inundaram os telejornais internacionais de crianças que saltaram dos arranha-céus pensando são Pokenô poderão ser manchetes da nossa imprensa. As crianças poderão imitar “spiderman”.
Meus amigos, quando penso que hoje comprei (mais um) vídeo de Hannah Montana e mais uns tantos das princesas e da Barbie começo a ter medo de, realmente, estar a dividir com estas figurinhas a educação das minhas princesas e a determinar os seus quês comportamentais.
Mas mais do que isso, assusta-me que mais tarde ou mais cedo, os meus sobrinhos (quem sabe as minhas meninas todas - sobrinhas incluídas) queiram ser que nem o Chaúque, aquele que, consciente ou inconscientemente, mediatizamos como o que está a dinamitar o Estado a todos os níveis. De facto assusta me a ideia de os meus filhos, por verem a impotência da polícia em apanharem o Chauque e o Anibalzinho, quererem ser como estes "quando crescerem".
Isso tudo leva-me a uma questão... até que ponto temos controlo sobre o que difundimos? Haverá alguma forma de controlarmos o nível de difusão desta ideia de heroicidade ao contrário? De que forma devemos nos precaver da possibilidade de formarmos uma nação de "bandidos quando crescerem"?
Que hipótese real temos de escamotear que há ruiu uma brigada policial para a "proteger" da chassina por parte de um individuo? Que chances temos de escamotear que o anibalzinho, mais uma vez, levou de vencida a capacidade do Estado de mantê-lo encarcerrado?
Noutro prisma, que chances tenho de não comprar Barbies, Hanna Montanas e princesas como mecanismo de desvio contra a violência dos programas televisivos incluindo os que deviam ser menos violentos (os infantis)?
Mutisse
Eu sou um apaixonado de bonecos animados. Mas, é o que Yndongah estava a dizer. Os bonecos animados mudaram. Já são mais violentos. Os de Barbie não foge a regra, as bruxas desses enredos estão a se adaptar ao mundo violento em que estamos a viver.
Mas será que é justo esconder a verdadeira face social às suas meninas?
O maior problema não está simplesmente no papel de educação que é legado às TV sob pretexto de que não temos tempo. Quanto tempo dedicamos as crianças? Quanto tempo as deixa em frente a TV? Quanto tempo os nossos filhos passam na rua?
Este é um outro ponto: as crianças estão a trocar a rua pela TV. Isso está a acontecer também com os adultos, salve as noites de sexta-feira que os homens adoptaram como seu dia.
A tua questão sobre o controlo ou escamotear a verdade é pertinente. Mas será que é justo, esta é mesmo para ti como jurista, privarmos o cidadão do seu direito a informação? Acho que direito a informação não se refere sinplesmente ao lado colorido da sociedade. Penso que é justo que o cidadão saiba que tipo de Estado, de governo e da polícia tem.
Caro Pc,
Muito obrigada pela carta a mim dirigida! Soubeste mostrar a diferença entre a poesia e a prosa. Conforme dizes, apesar de eu gostar muito de poesia, identifico-me mais com a prosa e por isso a adopto como estilo literário.
Concordo contigo que precisamos de uma estrutura social funcional. Quando dinheiro e poder ofuscam a nossa auto-estima, a nossa sociedade e dignidade, tornam-se dispensáveis. Se eu para ter poder sobre os outros tenho que aniquilar-me ou deixar-me alienar prefiro não o ter e ser o cidadão mais pacato. O poder vicia, já diz La Boetie no seu texto: “ ensaio sobre a servidão voluntária”.
Infelizmente, os jovens precisam de referências. Se continuarmos a ter e a veicular imagens e representações sobre poder, status e prestígio como as actuais, corremos o risco de ter uma geração em que ninguém aproveita-se, visto o princípio Maquiavélico de que os fins justificam os meios estarem a imperar a cada dia que passa, estamos a viver a lei da selva, ou selecção natural se quisermos parafrasear Darwin.
No Brasil segundo os factos que relatas ter poder é ser bandido, mas aqui é ter carro de luxo, freqüentar os lugares mais badalados e que só um bolso pode pagar. Isto acontece em todas sociedades, mas de diferentes ou mesmas formas. As desigualdades sociais de que o poder é fiel agente existem desde que o mundo é mundo!
Obrigada,
Nyikiwa.
Mapengo,
A minha questão era de saber até que ponto, e se ainda podemos, no âmbito da liberdade de informação constitucionalmente consagrada, dizer sobre o "tipo de Estado, de governo e da polícia" que temos, sem potenciarmos que os mais novos queiram se "organizar" para se aproveitarem das fraquezas que esse "tipo de Estado, de governo e da polícia" que temos tem.
Isto é, até que ponto (e será que ainda) podemos dizer que a brigada "Mamba" sumiu porque, pretensamente, o Agostinho Chaúque estava a chaciná-la e/ou que Anibalzinho fugiu 2 vezes de cadeias ditas seguríssimas, sem que os nossos filhos se apaixonem, não pelo "tipo de Estado, de governo e da polícia" que temos, mas pelos bandidos que não conseguimos controlar, até mesmo nas cadeias mais seguras?
Nyikiwa,
É interessante o paralelismo que fazes entre as representações heróicas dos bandidos brasileiros para a criançada de lá, e a "ideia" de patrão simbolizada nos carrões de MC Roger e nas suas poses.
Mas será que tais representações são só e só para a criançada no nosso contexto? Quais são os critérios que muitas vezes, nós os adultos, usamos na escolha do carro?
Assusta-me mais a capacidade de influência que se pode exercer na criançada do que a aderência ao apelo consumista que se abate sobre nós que já temos mais preparação fruto dos quilos de arroz já consumidos...
Amigo Mapengo, como faziam falta estas cartas...
“Precisamos de novos exemplos e uma estrutura social funcional.”
De facto, precisamos de novos exemplos e uma estrutura social funcional, mas infelizmente, a vida que hoje levamos, é contrária a exigência desta nova estrutura social.
Vivemos uma vida egoísta, hedonista, consumista, de constante “lavar das mãos”, sobre os problemas do outro. Era importante hoje, que nos interrogássemos sobre a solidariedade humana e nos perguntarmos, o que ensinamos aos nosso filhos, que valores os transmitimos, quando os ensinamos consciente e inconscientemente, que tudo se resume no dinheiro?
Sim, porque bandido ou não, basta ter dinheiro o tipo transforma-se em herói e nós, como pais, não nos dignamos a ensinar os nossos filhos, a separarem o trigo de joio.
Os meus sobrinhos hoje, escolhem os amigos, em função do status social dos pais, e este ensinamento, nós é que os transmitimos e é só ver, que a uma certa altura de vida, esta criança, vai virar adulta e o que será desta?
Tudo na sua vida, vai gravitar em torno de quem o pode arranjar o dinheiro e se não o arranjar por vias legais, nada o impedirá de explorar e a fundo o ilegal. Nada o impedirá de matar, nada o impedirá de espezinhar, nada o impedirá de lavar as mãos aos problemas do outro, nada o impedirá de se alhear sobre a solidariedade humana.
É justo que cada um de nós comece a despertar e se pergunte, o que devo fazer para mudar isto? Não somos capazes de proteger os nossos filhos neste mundo em que vivemos, pode a sua educação nos escapar das mãos?
Só a verdade nos pode ajudar neste processo, só a ideia da solidariedade humana, nos pode ajudar a criar um homem diferente, só quando podermos ensinar aos nossos filhos que há bens dispensáveis, podemos dia seguinte os exigir a rectidão.
É pá estou a falar muito, mas o que queria dizer meus amigos, é que os primeiros modelos das nossas crianças, somos nós e acreditem, quanto mais presente nós formos para os nossos filhos, dificilmente sofrerão e com relativa simplicidade influencias exteriores negativas....
Olá Nhykiwa
Ainda bem que vieste pegar a tua correspondência.
Estás a fazer uma interessante bifurcação para o lado moral que serviu, até certo ponto de base para esta carta, que é a questão moral. Sendo assim não tenho outra saída que retornar a questão de educação que já discutimos várias vezes.
Dizes tu que se para ter poder sobre os outros for necessário aniquilar-se ou deixar-se alienar é preferível não ter e ser o cidadão mais pacato. Isto nos foi ensinado desde a meninice em casa e na igreja.
Mas Nyki, eu me pergunto quantos não se deixam alienar pelos apelos consumistas e esquecerem-se da célebre frase bíblica “ame ao próximo como a si próprio”?
Penso que essa frase foi esquecida e, me parece, que as igrejas já não abrem essa parte do livro sagrado. O que quero dizer, não tenho outra forma que ser politicamente incorrecto, é que a partir de momento que renuncias o poder por não quereres aniquilar o outro te transformas numa presa fácil para ser aniquilada. É isso mesmo, a lei da selva.
A minha pergunta é se esta é a sociedade que queremos?
Amosse
Eu também sou da mesma opinião quanto os primeiros modelos das nossas crianças sermos nós. O que temos fazer é mudarmos os valores de poder que queremos passar para os fora da nossa casa.
Quando falava que se tornou frequente comentar-se nos locais de serviço que “o meu filho quer o último vídeo jogo que custa 2 mil dólares” me referia a isso mesmo. Para quem passamos essa mensagem? Para os nossos filhos é que não é, mas sim para os nossos colegas, amigos e vizinhos. É o tipo de poder de que falava Nhykiwa.
Nesse esforço para demonstrarmos o nosso poder fora do nosso quintal acabamos transferindo a responsabilidade da socialização das nossas crianças para essas máquinas. São elas que irão ensinar como ser um “bom bandido”.
Júlio
Para ser, de novo, politicamente correcto me iria escudar a “ética jornalística”. Mas isso era transferir a responsabilidade para os jornalistas e órgãos de informação e voltar para a questão de “moral”.
Mas não podemos esquecer que o jornalismo é uma profissão que vive com base nos acontecimento e a sua função é passar o que realmente acontece. Podemos começar a debater se é ético, a segurança de Estado, sensacionalismo, irresponsabilidade jornalística, preocupados em vender papel e tantos outros conceitos que precisarmos. Mas tem que ficar claro que a única forma para que isso não apareça como informação é só, como sociedade, como Estado, como governo e como polícia não deixarmos que essas coisas aconteçam. É prepararmos a nossa polícia para se tornar herói, para demonstrar poder.
PC
Como falávamos ontem, a produção de heróis para os nossos filhos não pode ser deixada para agentes externos, nem jornalistas nem os mansos herois da banda desenhada (Barbies, Princesas, Montanas etc).
Os primeiros heróis temos que ser nós, pais, tios, avôs, irmãos etc. Isso implica:
- presença
- supervisão
- acompanhamento
- monitoria
-
-
-
-
- etc
Infelizmente o ritmo de trabalho que impusemos a nós mesmos nesta época é demasiado elevado. Para elevarmos a renda temos 2 3 empregos... 3 a 4 ocupações, a esposa trabalha e vai a escola a noite... acabamos sendo e estando ausentes nos momentos em que as coisas acontecem.
Então temos que dosear. Tenho muito medo do excessivo apelo moral porque não sei delimitar convenientemente o seu alcance.
quero ser bandido do cv
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