quarta-feira, 10 de junho de 2009

Teoria de Culpabilizar os Outros


Para Ivone Soares 
E todos, independentemente da filiação partidária,
que se batem por um Moçambique melhor

Não existem princípios; apenas factos.

Não existe o bem e o mal, apenas circunstâncias.

O homem superior apoia factos e circunstâncias

a fim de guia-lo.

Se houvesse princípios e leis fixas, as nações

não as mudariam como mudamos de camisa,

e não se pode esperar de um homem que seja

mais sábio do que uma nação inteira.”

Honoré de Balzac 1799-1850

Querida Ivone,

Nos últimos tempos tenho estado a pensar nos contornos da política moçambicana. Esta pátria nossa. É interessante ver que a “culpabilização alheia” se tornou, desde há muito na principal arma de muitos dos  nossos políticos.

Uns recorrem a ela quando estão sem alternativa enquanto, para outros, ela funciona como o plano “A”.

Depois do primeiro adiamento do congresso do seu partido, esse marcado para Nampula e que não aconteceu – acredite que não sei porquê – a primeira desculpa encontrada foi espreitar o quintal do vizinho. 

Não quero, acredite, desvalorizar os dados avançados pelo vosso partido. Também não é objectivo desta carta. Mas não posso negar que a desculpa da sabotagem frelimista, para além de confirmar nos camaradas o estatuto de uma grande e perfeita organização, e, neste caso, qual máquina infalível, faz com que avancemos para uma forma descansada de não procurar as nossas próprias fraquezas. Algo como: se eles são mais forte é para fazermos o quê? 

- Assim, todo o mundo dorme descansado. 

A teoria da culpabilização alheia não foi introduzida na nossa política pela Renamo. Num contexto diferente, é verdade, ela fez parte da nossa construção como Estado/Nação e, de certa forma, serviu para esconder as nossas fraquezas. 

Discuti, há dias, sobre isto com Venâncio Mondlane para um artigo que seria publicado no jornal onde trabalho. Para ele “a culpabilização alheia” embora sendo uma característica da economia, tem encontrado um campo privilegiado na política. 

Não conheço bem o campo económico, Ivone. É provável que, tirando aquela ideia simplista que diz que os homens são animais políticos, esta também, não seja a minha praia. 

Mas há uma coisa que não podemos negar, a teoria de culpabilização que muitos dos nossos políticos têm se esforçado em usar, tem por objectivo tornar nos inocentes dos nossos próprios actos e omissões. 

Depois da independência nacional, muitos dos nossos fracassos económicos, até mesmo sociais, tiveram rótulos como “Rodésia, apartheid, guerra-fria e herança decadente do colonialismo.” Olha que não estou a inocentar este quarteto, pelo contrário, acredito que este quarteto teve a sua parte de culpa para a nossa fraqueza. O que estou a dizer é que nós, como país, temos ou tínhamos de olhar para dentro e perguntarmos “o que estamos a fazer?” 

Olha Ivone que é mais cómodo descansar na ideia da responsabilidade dos outros. Mas Moçambique como país não se podia dar a esse luxo. Então era preciso questionar certas opções tomadas pelos libertadores: “Que vantagens temos seguindo marxismo-leninismo?”. Uso por exemplo esta linha que seguimos e que é até hoje usada pelo seu partido para justificar o seu surgimento e as acções tomadas ao longo de 16 anos de guerra. 

Era na verdade necessário questionar se dentro das nossas estruturas fizemos as opções certas. Esse questionamento tem que ser feito até agora se, como país quisermos avançar. Podemos alargar mais o leque das teorias da culpabilização alheia para o continente. O maior debate que existe agora é: o que o Ocidente está a fazer por nós? 

Acha mesmo Ivone que essa é a melhor pergunta a fazer? Acha que é importante colocar Ocidente como o principal actor do nosso desenvolvimento? 

O ex-primeiro ministro de Moçambique, Dr. Mário Machungo tocou neste assunto no III Seminário Internacional RDP-África. Mesmo reconhecendo que o passado foi errado,  falando da crise financeira que tem o seu impacto nos países em desenvolvimento, é da opinião que a Europa não era a única responsável pela desgraça africana. 

Olha que este é um ponto de partida. É o reconhecimento das nossas próprias fraquezas e um apelo para a mudança. Esta, me parece, também tem sido a tónica do Presidente da República Armando Guebuza que nos tem incentivado a lutar, a trabalhar, a contar com as nossas forças para vencermos. 

Deixe-me voltar novamente para a nossa Pátria Amada. O que nos aconteceu a partir dos anos de 1980? A questão de caju Ivone é um exemplo claro de uma intervenção de fora. Aliás, o Dr. Machungo estava ainda no Governo quando o Banco Mundial disse que a política de caju estava errada e, como ele mesmo reconhece “isso arruinou a indústria de caju que se estava a desenvolver no país.” 

Então o que é que acha que se devia fazer nessa altura? A melhor resposta não é dizer simplesmente que se está tudo errado a culpa é deles e cruzar as mãos. 

O que se exige de nós é que paremos simplesmente de nos queixar e encontremos soluções internas. Se prestar atenção aos discursos de diferentes líderes africanos, incluindo o nosso, descobrirás esse apelo a mudança. Claro que pode me dizer que não passam de palavras. Ok, mas já são palavras de – esta sabes que não é original – we can. Podes ver o que disse o Dr. Machungo nesse encontro que me referia: “Cabe à inteligência africana a responsabilidade de tomar o seu futuro. Se não fizerem isso não será do estrangeiro que virá.” 

Agora voltando ao seu partido. 

A teoria de culpabilização alheia é, na verdade uma forma interessante de sacudirmos a pressão de nós e encontrarmos culpados noutro lado. Alguns defendem que a política tem que ser limpa (?!). Assim, se os outros, neste caso a Frelimo aparecer a fazer jogo sujo para não realização do congresso da Renamo, é lógico que perde a cotação por parte dos que têm essa ilusão. 

Contudo, o uso da mesma desculpa para eventos diferentes faz com que ela se desgaste, principalmente numa sociedade como a nossa que o eleitorado já não vota ente a guerra e a paz. Este é um ponto que parece que muitos políticos ainda não se aperceberam. Venâncio Mondlane é da opinião que o eleitorado está cada vez mais inteligente e alguns políticos estão a andar no sentido contrário. 

O perder as eleições e justificar-se pela fraude da Frelimo vai mais soar a disco raspado. O não realizar um congresso porque a Frelimo sabotou soa mais a comodismo. Ver quadros seniores a abandonar o partido na mesma pressão das mangueiras dos bombeiros e dizer que estão a ser aliciados por outros partidos é a forma mais fácil de ignorar a “trave no seu próprio olho.” 

Querida Ivone, é esquisito que apesar de quase nunca termos trocado ideias, para além de um simpático “olá bom dia” acompanhado de um sorriso de ambos os lados, esta ter sido a minha primeira forma de te colocar algumas questões para reflectirmos juntos. 

O mais importante é discutir a melhor maneira de vencermos os fantasmas que nós mesmo criamos. 

Tudo por esta pátria amada


4 comentários:

Júlio Mutisse disse...

Mapengo,

Esta sua postagem calhou com a entrada na minha caixa do correio (deve ser a 10ª vez que acontece) de uma mensagem que guardo bem guardadinho. Tem lições importantes algumas:

- Vencedor: Quando um vencedor erra, diz: "Enganei-me", e aprende a lição.

- Derrotado - Quando um derrotado erra, diz: "A culpa não foi minha", e responsabiliza a terceiros.

» VEncedor - Um vencedor respeita os que sabem mais e procura aprender algo com eles.

» Derrotado - Um derrotado resiste a todos os que sabem mais e apenas se fixa nos defeitos deles.

Isto se parece com algo que já tenhas visto e/ou ouvido? Me parece ser a síndrome da Renamo. O Tio Afonso, através do Mazanga e outros, apresentam e presenteiam-nos constantemente com este espectáculo derrotado de "são eles, a Frelimo." Faz me lembrar da nossa meninice quando tinhamos que justificar algo e dizíamos "eu não fiz nada, foi o fulano"; a pergunta que fica é o que é que não fizeste para que o tal fulano fizesse o que fez; portanto, não podemos condenar as acções dos outros sem nos questionarmos das nossas próprias omissões.

Um professor meu dizia sempre que chutar uma pedra num determinado local uma vez, pode ser tomado por distracção e até ser visto como normal mas, chutar a mesma pedra todas as vezes que passas por um determinado local é no mínimo burrice.

Os insucessos da Renamo até em coisas em que corre sozinha (como o seu congresso, não podem ter como entrave, também a Frelimo. É tempo de reflexão e o tempo voou há muito para a Renamo.

Concordo consigo quanto ao despertar das lideranças africanas para olharmos para nós como solução para os nossos problemas desde que esse despertar não comece com a NEPAD... um plano africano dependente do Ocidente para se materializar...

Concordo consigo tendo em conta a conjugação de esforços no sentido de duplicarmos os nossos esforços para combatermos a dita cuja.

Mas isso não dependerá APENAS de discursos. Ao mesmo tempo que muitos condenam a época social-comunista dos primeiros anos em que o Estado se apresentava como papá, continuam a querer que no contexto actual esse mesmo Estado continue sendo papá. o Estado é facilitador no actual contexto e deve garantir serviços públicos... como saúde, educação e... transporte heheheeh.

Anónimo disse...

Não seremos vítimas de heranças
domésticas das aves predadoras e perdedoras! …?

“ A teoria de culpabilização alheia é, na verdade uma forma interessante de sacudirmos a pressão de nós e encontrarmos culpados noutro lado” –dizes tu, PC Mapengo.

" Faz me lembrar da nossa meninice quando tínhamos que justificar algo e dizíamos "eu não fiz nada, foi o fulano" – dí-lo Júlio Mutisse, no seu comentário para quem a pergunta que fica é : “o que é que não fizeste para que o tal fulano fizesse o que fez”.

“ Sou estúpido por natureza?” se sim, como posso alterar esse meu estado natural e moldar-me com a civilização” , eis duas das principais questões que faço a mim mesmo.
Sou estúpido, sim, por isso, caro PC.Mapengo, permita-me dizer-te que encontrei em si mesmo a resposta que me fazes – creio que a todos os outros a quem diriges as suas “Cartas a Moda Antiga”. Quer dizer: basta culpar para estarmos livres dos remorsos? Acho que não, pois, a meu ver, o Júlio Mutisse explica que, após culpar a outrem, o ‘culpador’ não está livre – até pode estar – mas não fica feliz (para quem lutar pela liberdade mas ficar infeliz?). De acordo com Mutisse, o ‘culpador’, afinal, tem de se confrontar com os resultados da sua inacção (condenada nos termos da lei) pois tem de responder à :“o que é que não fizeste para que o tal fulano fizesse o que fez”.

É por ser estúpido que prefiro recuar até a nossa realidade doméstica e aí tentar sondar a origem do fenómeno moçambicano – africano – de dar culpa a “outréns”. Não será, caro PC, que nós somos produto da nossa meninice em que quando tu, eu e Júlio, sem intenção, partíssemos um copo, um prato ou, o mais grave uma bilha d’água colocada num cantinho ou ainda se uma bola partisse o vidro duma janela do quarto do papá?

O que me inquieta é a triste tendência de os políticos – e seus sequazes – nunca abandonarem esse comportamento “doméstico-meninice” de culpar aos outros e com isso se tornarem em homens do século XXI, capazes de nos indicar o caminho que devemos seguir para estarmos livres de muitas doenças socio-económicas que nos apoquentam.

É mesmo por ser estúpido que eu ainda não percebi porque é que a Ivone – que costuma me mandar beijos via telemóveis, talvez por ser minha amiga (?) – (per)segue o político safado chamado Afonso Dhlakama e seus maus conselheiros (mas há quem diz que o perdiz-mor nunca ouve a ninguém) que ainda implementa o comportamento “doméstico-meninice”de Mangunde/Chibabava cá entre nós, em Maputo ou onde ele esteja.

Confesso que não sei! Não sei porque sou estúpido. Mas sei que culpar os outros se tornou num sindroma político nacional “renamista” cuja arma para combatê-lo é, caro escriba PC: nas próximas gerais (e provinciais) vá votar nas pessoas que desejas que te governem e impeça uma oposição irresponsável do tipo renamista que não ajudaste a se instalar na Assembleia da República!
Já fui, não quero problemas com aves predadoras e perdedoras! …

Anselmo Titos

www.nyikiwa.blogspot.com disse...

Caro Mapengo,

Parabens por esta carta, porque tocas na questao de falta de atitude, garra e auto-estima de que os Mocambicanos no geral enfermam.

E mais facil culpar aos outros do que a nos mesmos. Nessas situacoes costumo perguntar o seguinte quando alguem diz que foi imposto ou foi obrigado a fazer algo: "suponhamos que foste de facto obrigado a fazer tal coisa. Que contra-proposta avancaste? Tentaste negociar?" Muita das vezes a resposta e nao! Por vezes o que nos impoem ate e melhor que a contra-proposta que poderiamos ter avancado. O que fazemos para contrariar isso?
Tenh ouvido e tem sido recorrente no dia-a-dia: "Mocambique e um Estao altamente burocratico, fruto da colonizacao Portuguesa". Ate constitui verdade, mas o que fazemos parra mudar isso?!
Discordo da ideia de que quando algo esta mal em casa a culpa e sempre de quem vem de fora, nao, nao e nao! Ja diz o velho adagio popular:"quando entra um feiticeiro em casa, e porque alguem de casa o abriu a porta".

O Presidente da Republica nas suas intervencoes tem sempre procurado despertar a nossa consciencia para a auto-estima e potenciar nossas capacidades, mas parece-me que nao tem sido muito feliz porque continuamos na mesma odisseia!

Falando concretamente da RENAMO, me perdoe minha querida amiga Ivone, mas nao me parece que esta ainda seja uma alternativa de governacao credivel ao Pais.

Obrigada!

PC Mapengo disse...

Olá Nyiky

Tu levantes aqui a questão de contraproposta e o nosso Estado burocrático, neste caso por herança. Isto minha querida se enquadra numa outra mania nossa que é buscar exemplos que nos deixam descansado. Gostamos de não nos chatearmos.
Se um ministro aparece, como o fazem com frequência a queixar-se que “há gente no ministério que não trabalha” o que eu cidadão comum vai fazer. Quando nos aparecem respostas, acho que já ouviste várias vezes, como “até nos EUA isso acontece” ou “em que parte do mundo não foge um preso” o que podemos dizer sobre isso? Podemos continuar a culpar a nossa herança colonial ou é exactamente o que tu dizes “o que estamos a fazer para reverter isso?”
Te referes também ao PR que tem se esforçado com discursos de auto-estima. Tem nos repetido a necessidade de fazer. Mas me parece que o nosso presidente está a dançar sozinho ou os outros fingem que não conhecem o ritmo. Olha minha querida Nyiky, o PR faz o que tem de fazer e o faz bem tentando nos empurrar para a luta. Mas é engraçado ver todos da sua orquestra repetirem o que ele diz. Penso que as coisas falham aí. O PR diz e tem de o dizer, “temos de acabar com o burocratismo” , mas não é aceitável que os seus ministros, os directores nacionais, governadores administradores também venham dizer “a burocracia está a atrasar o país”. Penso que o papel deles é mostrar como se acaba com a burocracia.

Júlio

Meu irmão Júlio, é claro que não precisamos de NEPAD. Não sei porquê mas me parece que NEPAD só é diferente das outras políticas porque não é traçado de fora para nos darem dinheiro mas sim nós é que traçamos ideias para pedirmos dinheiro.
Não tenho nenhum mandato para julgara a história mas penso que, apesar de achar que era necessário o nosso país passar por aquele tipo de politica ideológica, também nos tornou mais descansados e a espera de “um quilo de arroz”por pessoa. Mas podemos falar disso numa outra altura.

Anselmo

É bom saber que passaste por cá para leres as minhas cartas.
Levantas a questão de consciência depois de culparmos aos outros, ou como tu dizes “sou estúpido paciência”. Olha meu irmão, há vezes que nós repetimos várias vezes uma coisa errada que acaba sendo parte de nós.
Para mim, a teoria de culpabilização é a adoptada como arma por parte da Renamo. No princípio até pode ter resultado. Mas pense comigo: o que a Renamo fez para evitar que a Frelimo cometesse as famosas fraudes? Ficar apenas em ameaças de “não brinque comigo” é suficiente?
Para a Renamo a teoria de culpabilização alheia faz parte da sua génese: dizem eles mesmos que surgiram porque a Frelimo optou por socialismo blablabla. Então, não acredito que eles se preocupam com a consciência, o que importa é arranjar um culpado e a há muito que eles identificaram: Frelimo!