Matola, aos 29 de Maio de 2009
"Existe uma chave para a liberdade:
Pense!
Pense!
Se quiseres ser um cordeiro, seja feita a tua vontade.
Não reclames, entretanto, quando fores servido em nosso grande Sabbath!"
Não reclames, entretanto, quando fores servido em nosso grande Sabbath!"
Um velho dito pagão, do século XX
Querido amigo Egídio Vaz
Depois da conversa daquela tarde de sábado no encontro dos jovens pensadores na AEMO, não parei de pensar no papel dos heróis. Partia exactamente do papel da história, para uma sociedade como nossa, e o impacto que a figura de herói pode ter para a nossa auto-estima.
Podíamos debater sobre isso na tua qualidade de historiador que adora desafios sociais. Mas fui me perdendo na criação dos heróis e a preocupação que se tem nos últimos dias para a sua reinvenção.
Depois da independência, como se não bastasse a bravura dos guerreiros para se hastear a nossa bandeira como um Estado soberano, era preciso inventar nossos próprios “símbolos tradicionais.” E os heróis, principalmente das independências dos nossos estados africanos carregam essa áurea mística sobre humana.
A criação dos nossos maiores heróis, Eduardo Mondlane e Ngungunhane, não escapou a esse revestimento para que nos oferecessem como homens puros e dignos como mortais.
No entanto, a construção deles é feita em linhas diferentes também pela forma como viveram.
Se para Eduardo Mondlane há uma unanimidade, o mesmo não se pode dizer de Ngungunhane, visto por uns como símbolo da resistência nacional e por outros como um invasor e ladrão de mulheres.
Tenho dificuldades em imaginar se realmente os chopes podem considerar, na sua plenitude, Ngungunhane como um herói, se a volta da fogueira – se é que ainda existem fogueiras, e supondo que existam - os seus avos os contarem as violentas histórias do exército do império de Gaza no seu próprio território.
A construção de Ngungunhane como herói nacional foi bem mais complexa que a de Eduardo Mondlane. Primeiro teve que se fazer uma purificação do homem. Este ritual passava por o transformar de invasor, ou um colonizador de sul e norte de Moçambique a vítima da opressão estrangeira. Aqui deparamos com uma outra dimensão de “estrangeiro” que passa pelo reconhecimento da africana “dinastia de Gaza” como locais e somente os europeus como “estrangeiros”.
Transformando Ngungunhane num dos nossos passa a ser mais fácil a purificação. Ele entra triunfalmente para a nossa história como um símbolo de resistência.
Mas a transformação de opressor a herói não pode surpreender se estivermos a falar de um país que tem o mérito de celebrar com todo o fervor as suas derrotas como fazemos com Gwaza Mutine.
Com Eduardo Mondlane acontece o contrário. Como o definiu a professora Tereza Cruz e Silva numa entrevista que me concedeu para falarmos de heróis, Eduardo Mondlane “é uma pessoa admirável, um jovem que embora sendo de uma família real é pobre e modesto. Mas a coisa que mais me marcou era a vontade firme de saber querer mais, aprender, pensar e avançar.”
Para mim, sinceramente, apesar de toda a ornamentação que se coloca em volta a Eduardo Mondlane, penso, como também disse Cruz e Silva, que ele não precisa. Ele tem uma espécie de estatuto natural.
Mas é importante ver como se constrói este herói que lembra algo de Messias. Primeiro há uma espécie de profetização, não quero discutir se é mito ou não. Mas há uma espécie de anúncio do seu aparecimento que se assemelha ao que o profeta Natan revela ao rei Davi: “O Senhor fará surgir de ti uma descendência. Quando chegar o fim dos teus dias, manterei depois de ti a descendência que nascerá de ti e consolidarei o seu reino. Serei para ele um pai, e ele será para Mim um filho.”
Quanto a Mondlane, as narrativas tradicionais também colocam o discurso na boca – curiosamente – de Ngungunhane na hora de partida para os Açores: “Mas o rei um dia há-de vir e sairá de Mandlakazi”.
Não foi exactamente um “rei” mas alguns historiadores não têm dúvidas que Ngungunhane se referia a Eduardo Mondlane.
Nascido numa família nobre – filho de chefe –, no lugar de lutar pelo seu trono arrasado, curiosamente, pelo exército do império de Gaza, Mondlane opta por um percurso de salvação da pátria.
Como Jesus, que descende de Davi, renuncia esse poder pelo bem de um povo e morre para o salvar. Renuncia a boa vida que poderia ter nos arranha-céus de Nova Iorque para salvar a terra e os homens e acaba “crucificado” num livro. Os seus camaradas repetem “o seu sangue não foi em vão.”
Isso me recorda “eis o meu sangue.”
O importante Vaz é notar que estas imagens heróicas desempenharam o seu papel na construção desta Pátria Amada. Numa altura que atravessávamos a guerra civil, numa altura de apelo a unidade nacional, precisávamos desses heróis. Eles desempenharam cabalmente o seu papel.
No entanto meu companheiro, toda a estrutura em que a nossa história pós-colonial foi construída está a ser abalada indicando o fim da “lua-de-mel”. A revolução venceu e, sabemos nós que todas as revoluções quando atingem os seus objectivos morrem.
O princípio do esfriamento da imagem do “herói Eduardo Mondlane” já vem de há um tempo e penso que o Estado moçambicano se apercebeu disso e antecipou-se com a remoção da sua figura da moeda nacional.
Era a ascensão de Samora Machel.
Fazia sentido ir se buscar o primeiro Presidente da República para o oferecer a nova geração que pouco se identificava com temas como a colonização e independência.
Mas, embora se olhe para ele como o símbolo de boa governação, será que oferece a mesma unanimidade que Eduardo Mondlane? É discutível. Basta só ver o que um dos maiores escritores moçambicanos, Ungulane Ba Ka Khosa, diz no livro “Os Habitantes da Memória” de Nelson Saúte: “Samora Machel um nome de que, sinceramente, nunca gostei. Nunca gostei porque, a primeira vez que eu o vi e ouvi, tive medo. (…) notei que era um indivíduo com todas as características para ser um ditador. Se naquele momento, ele me apontasse com o dedo dissesse: “Matem aquele fulano” eu poderia ser um cadáver. (…) A partir daí nunca tive admiração por ele como um indivíduo.”
A ideia de “Samora ditador” é também controversa. Os partidos moçambicanos da oposição assim como alguns académicos procuraram o responsabilizar, assim como ao seu partido pelo descalabro económico do país.
Tornou-se frequente olhar-se para a adopção do socialismo/comunismo como ideia exclusiva da Frelimo de Machel. Sim, surgiu uma espécie de posicionamentos entre a Frelimo de Machel e a de Mondlane, supondo-se que esta última era contra o socialismo, marxismo e leninismo.
Mas é importante olhar para a entrevista que dá a Aquino de Bragança onde assume que o tipo de luta assim como o colonialismo que enfrentava obrigava a uma via socialista. Ele não esconde a sua crença no Marxismo-Leninismo.
No processo de heroificação o socialismo fica como exclusividade de Samora Machel. Há também grupos que dizem não acreditarem que Mondlane enveredaria pela mesma política, que não concordaria com as decisões tomadas depois da independência. Mas isso meu companheiro é simplesmente “se” e nós sabemos que a história não é feita de “ses”.
Ba Ka Khosa, não retira a importância histórica de Samora Machel, mas parece sugerir essa falta de unanimidade de que falava.
O que quero dizer meu caro Vaz é que os heróis devem ser constantemente renovados para se adaptarem aos contextos.
Os heróis devem ser renovados.
A celebração de 2009 como ano Eduardo Mondlane pode ter essa missão mas é importante ver como é que em pleno século XXI, na era da globalização, de mercados comuns, de HIV/SIDA e pobrezas absolutas, se pode aproveitar a imagem de Eduardo Mondlane como catalizador nas várias batalhas que o Estado tem que travar rumo ao tão almejado bem estar.
Aquele abraço.
Policarpo Mapengo
Podíamos debater sobre isso na tua qualidade de historiador que adora desafios sociais. Mas fui me perdendo na criação dos heróis e a preocupação que se tem nos últimos dias para a sua reinvenção.
Depois da independência, como se não bastasse a bravura dos guerreiros para se hastear a nossa bandeira como um Estado soberano, era preciso inventar nossos próprios “símbolos tradicionais.” E os heróis, principalmente das independências dos nossos estados africanos carregam essa áurea mística sobre humana.
A criação dos nossos maiores heróis, Eduardo Mondlane e Ngungunhane, não escapou a esse revestimento para que nos oferecessem como homens puros e dignos como mortais.
No entanto, a construção deles é feita em linhas diferentes também pela forma como viveram.
Se para Eduardo Mondlane há uma unanimidade, o mesmo não se pode dizer de Ngungunhane, visto por uns como símbolo da resistência nacional e por outros como um invasor e ladrão de mulheres.
Tenho dificuldades em imaginar se realmente os chopes podem considerar, na sua plenitude, Ngungunhane como um herói, se a volta da fogueira – se é que ainda existem fogueiras, e supondo que existam - os seus avos os contarem as violentas histórias do exército do império de Gaza no seu próprio território.
A construção de Ngungunhane como herói nacional foi bem mais complexa que a de Eduardo Mondlane. Primeiro teve que se fazer uma purificação do homem. Este ritual passava por o transformar de invasor, ou um colonizador de sul e norte de Moçambique a vítima da opressão estrangeira. Aqui deparamos com uma outra dimensão de “estrangeiro” que passa pelo reconhecimento da africana “dinastia de Gaza” como locais e somente os europeus como “estrangeiros”.
Transformando Ngungunhane num dos nossos passa a ser mais fácil a purificação. Ele entra triunfalmente para a nossa história como um símbolo de resistência.
Mas a transformação de opressor a herói não pode surpreender se estivermos a falar de um país que tem o mérito de celebrar com todo o fervor as suas derrotas como fazemos com Gwaza Mutine.
Com Eduardo Mondlane acontece o contrário. Como o definiu a professora Tereza Cruz e Silva numa entrevista que me concedeu para falarmos de heróis, Eduardo Mondlane “é uma pessoa admirável, um jovem que embora sendo de uma família real é pobre e modesto. Mas a coisa que mais me marcou era a vontade firme de saber querer mais, aprender, pensar e avançar.”
Para mim, sinceramente, apesar de toda a ornamentação que se coloca em volta a Eduardo Mondlane, penso, como também disse Cruz e Silva, que ele não precisa. Ele tem uma espécie de estatuto natural.
Mas é importante ver como se constrói este herói que lembra algo de Messias. Primeiro há uma espécie de profetização, não quero discutir se é mito ou não. Mas há uma espécie de anúncio do seu aparecimento que se assemelha ao que o profeta Natan revela ao rei Davi: “O Senhor fará surgir de ti uma descendência. Quando chegar o fim dos teus dias, manterei depois de ti a descendência que nascerá de ti e consolidarei o seu reino. Serei para ele um pai, e ele será para Mim um filho.”
Quanto a Mondlane, as narrativas tradicionais também colocam o discurso na boca – curiosamente – de Ngungunhane na hora de partida para os Açores: “Mas o rei um dia há-de vir e sairá de Mandlakazi”.
Não foi exactamente um “rei” mas alguns historiadores não têm dúvidas que Ngungunhane se referia a Eduardo Mondlane.
Nascido numa família nobre – filho de chefe –, no lugar de lutar pelo seu trono arrasado, curiosamente, pelo exército do império de Gaza, Mondlane opta por um percurso de salvação da pátria.
Como Jesus, que descende de Davi, renuncia esse poder pelo bem de um povo e morre para o salvar. Renuncia a boa vida que poderia ter nos arranha-céus de Nova Iorque para salvar a terra e os homens e acaba “crucificado” num livro. Os seus camaradas repetem “o seu sangue não foi em vão.”
Isso me recorda “eis o meu sangue.”
O importante Vaz é notar que estas imagens heróicas desempenharam o seu papel na construção desta Pátria Amada. Numa altura que atravessávamos a guerra civil, numa altura de apelo a unidade nacional, precisávamos desses heróis. Eles desempenharam cabalmente o seu papel.
No entanto meu companheiro, toda a estrutura em que a nossa história pós-colonial foi construída está a ser abalada indicando o fim da “lua-de-mel”. A revolução venceu e, sabemos nós que todas as revoluções quando atingem os seus objectivos morrem.
O princípio do esfriamento da imagem do “herói Eduardo Mondlane” já vem de há um tempo e penso que o Estado moçambicano se apercebeu disso e antecipou-se com a remoção da sua figura da moeda nacional.
Era a ascensão de Samora Machel.
Fazia sentido ir se buscar o primeiro Presidente da República para o oferecer a nova geração que pouco se identificava com temas como a colonização e independência.
Mas, embora se olhe para ele como o símbolo de boa governação, será que oferece a mesma unanimidade que Eduardo Mondlane? É discutível. Basta só ver o que um dos maiores escritores moçambicanos, Ungulane Ba Ka Khosa, diz no livro “Os Habitantes da Memória” de Nelson Saúte: “Samora Machel um nome de que, sinceramente, nunca gostei. Nunca gostei porque, a primeira vez que eu o vi e ouvi, tive medo. (…) notei que era um indivíduo com todas as características para ser um ditador. Se naquele momento, ele me apontasse com o dedo dissesse: “Matem aquele fulano” eu poderia ser um cadáver. (…) A partir daí nunca tive admiração por ele como um indivíduo.”
A ideia de “Samora ditador” é também controversa. Os partidos moçambicanos da oposição assim como alguns académicos procuraram o responsabilizar, assim como ao seu partido pelo descalabro económico do país.
Tornou-se frequente olhar-se para a adopção do socialismo/comunismo como ideia exclusiva da Frelimo de Machel. Sim, surgiu uma espécie de posicionamentos entre a Frelimo de Machel e a de Mondlane, supondo-se que esta última era contra o socialismo, marxismo e leninismo.
Mas é importante olhar para a entrevista que dá a Aquino de Bragança onde assume que o tipo de luta assim como o colonialismo que enfrentava obrigava a uma via socialista. Ele não esconde a sua crença no Marxismo-Leninismo.
No processo de heroificação o socialismo fica como exclusividade de Samora Machel. Há também grupos que dizem não acreditarem que Mondlane enveredaria pela mesma política, que não concordaria com as decisões tomadas depois da independência. Mas isso meu companheiro é simplesmente “se” e nós sabemos que a história não é feita de “ses”.
Ba Ka Khosa, não retira a importância histórica de Samora Machel, mas parece sugerir essa falta de unanimidade de que falava.
O que quero dizer meu caro Vaz é que os heróis devem ser constantemente renovados para se adaptarem aos contextos.
Os heróis devem ser renovados.
A celebração de 2009 como ano Eduardo Mondlane pode ter essa missão mas é importante ver como é que em pleno século XXI, na era da globalização, de mercados comuns, de HIV/SIDA e pobrezas absolutas, se pode aproveitar a imagem de Eduardo Mondlane como catalizador nas várias batalhas que o Estado tem que travar rumo ao tão almejado bem estar.
Aquele abraço.
Policarpo Mapengo
5 comentários:
Percebi a sua fuga em frente. Eu ainda irei discutir consigo. Mondlane sim é Herói Nacional. A ideia de ser Arquitecto é quanto a mim bastante problemática.
Já lhe expliquei que não tenho nenhuma dúvida sobre o seu papel na liderança do movimento nacionalista, a Frelimo. Porém, acho que que de facto arquitectou a Unidade Nacional foi Samora Machel. Porque foi ele, o Primeiro Presidente da República, pessoa que proclamou a independência nacional e pregou de lés a lés a ideia da Unidade na prática. Voltarei em detalhes sobre o assunto. para já, um abração.
Mapengo,
Desafio importante este que nos propões de pensarmos e repensarmos os nossos heróis e o seu enquadramento nos desafios que o país enfrenta.
Sobre o conceito de heroi, e de quem deve ser considerado heroi já se discutiu muito na nossa esfera pública; inclusive o facto de até determinada época, herois terem sido apenas "aqueles que lutaram contra". Mas creio que Eduardo Mondlane mereceu sempre a unanimidade, mesmo entre os meios ligados a oposição.
, Irene Alexandra escreveu in “Semanário Angolense”, Luanda, Angola, na Folha Opinião, pág. 21, de 16 a 23 de Outubro de 2004 escreveu Sobre O Conceito de Herói.
Ela falava,a propósito da definição de heróis, que, como aqui em Moçambique "têm surgido algumas interrogações no nosso meio quanto aos atributos humanos necessários para se decidir da bravura, da coragem, da valentia, da temeridade, do valor da heroicidade de alguém. Quais são as características universais imutáveis que têm definido o heroísmo ao longo dos tempos? O que é considerado de grandeza? O que é a pequenez? Quais os méritos da nossa admiração?"
Mas, seja qual for a resposta que dermos a cada uma destas questões, no nosso contexto, creio que não nos devemos limitar a quem de entre os qua jazem na Cripta e dos que poderão lá ir, é ou não unânime. Creio que, o nosso desafio, deve ser pegar os atributos de cada um desses e verificar que contributo inspiracional podem dar para os desafios do presente e do amanhã.
O Egídio começa por concordar na unanimidade de Mondlane, não percebo se o facto de atribuir a Samora a arquitetura da unidade faz deste unanimemente herói ou não mas, na minha óptica, isto é irrelevante. o Relevante é o reconhecimento de que Samora fez um trabalho extraordinário na unificação dos moçambicanos, o que até, na minha óptica e pegando isto, pode concorrer para que o unanimizemos como heroi.
Que desafios se nos colocam em face dos nossos heróis? Temos uma heróina do trabalho ainda viva, que lições devemos tirar dela? Uma menina nascida numa família pobre, que quis jogar futebol, que foi desviada para o atletismo e venceu... que lições tiramos daqui. Este é o exercício que devemos tirar.
Começa a ser, para mim, muito bom notar a preocupação recorrente de a actual geração de intelectuais, requestionar a “nossa História” – História que o professor Isuf Adam diz ter co-escrito em função dos condicionalismos da época (não havia como ele e outros não escreverem como escreveram ( basta tal reler o medo que Ungulani Baka Khossa nutria do herói Samora !!!)
Como disse, parece ter chegado – ou pelo menos começa a chegar – o tempo que dá oportunidades de requestionamento da nossa moçambicanidade e tu, caro amigo Mapengo, e outros historiadores, estão dando um passo importante do recomeço desse percurso.
Se é difícil apagar as imagens da questionável cristianização de Mondlane – poxa sacana do Ngungunhane , afinal o tipo nem era nosso e por cima andou nos espezinhando? Porque será que a FRELIMO teve que recorre-lo para ser nosso símbolo de resistência quando tínhamos os Matacas, Bongas e outros? – hoje para que mesmo os que ditaram a redacção contemporânea da nossa história , tende a esvazia-las das prateleiras, pois, à semelhança de muitos heróis da bíblia que são pura invenção da época para fins inconfessáveis, hoje gozamos, ainda que muito ténue e relativa, da liberdade de reconstrui-las, assim pedra a pedra , e caco a caco….
FORÇA, qual é a próxima?
Anselmo Titos / @VERDADE
Amigo Mapengo,
Concordo que os heróis devem ser renovados, mas essa renovação, não pode ir para além do que foi a sua obra.
Não há dúvida que Mondlane é um verdadeiro herói nacional, um nacionalista que conhecia profundamente o seu país (como o bem analisou na obra “Lutar por Moçambique”), que tinha fortes ligações com a sua tradição (como bem descreve a sua infância, adolescência e juventude na obra Chitlango o filho do chefe), e na forma como via a nação.
E é facto que Mondlane, não precisa ser divinizado, sacralizado, purificado, porque já é puro; o facto de renunciar da vida que teria nos “arranha céus” de longe, para se dedicar a causa da sua pátria, o facto de em alguma ocasião, ter se desviado do escopo da sua formação (lembrar que Mondlane estava sendo preparado para dirigir a Igreja Africana em Moçambique), para “lutar por Moçambique”, o tornam o homem extraordinário que é.
Daí que é fácil renovar constantemente Eduardo Mondlane. É fácil até criticá-lo sem matar a obra de vida que ele foi, é fácil olhar para o mesmo de todos os ângulos e encontrar em todos o Moçambique, porque ele lutou.
Samora, foi sem dúvida o unificador (“matar a tribo para nascer a nação”), e como bem diz o Vaz, soube levar esta mensagem de lés a lés. Me é sempre difícil analisar Samora, porque tenho sempre a impressão de que as pessoas seguram-se mais aos seus erros e não a obra e que se diga Samora teve obra (mas isso é outro assunto).
O que quero dizer é que, se pode muito bem renovar também a figura de Samora, pegando a sua obra, porque mesmo nos seus erros, está lá ínsito a tentativa de querer o melhor para o país.
Renová-los sim, mas olhando para a sua obra...
Cachuda, ainda bem que vieste ler esta minha carta.
Já falamos por várias vezes que a história, pelo menos a nossa, deve ser reescrita mas isso não significa deitar para o lixo tudo o que existe.
Quanto ao interesse da heroificação de Ngungunhane ainda não é realmente claro e não te posso te dar uma explicação definitiva.
Há diferentes ideias que vem a memória agora de alguns historiadores que acreditam que a invençam de Ngungunhane como herói tem a ver com a sua grandeza. A questão de orgulho nacional tinha que ser construído a volta de símbolos que ostentam algum poder. Até ao princípio do século XX, Ngungunhane oferecia essas condições. A sua imagem de vítima que ele apresenta na sua prisão inventa melhor esse cenário. Tirando Ngungunhane, os outros, pelo menos na região sul não apresentam essa grandeza.
A outra corrente olha mais para o papel que desempenharia pelo menos na região sul no período da guerra civil. Ele é como se repescado nos anos 80 com todo o glamour protector dos verdadeiros heróis. Era necessário, senão para todo o país, pelo menos para a unidade de Sul dilacerado por uma guerra “externa”. Limpar Ngungunhane e o tornar nacional oferecia condições para dizer “olhem os estrangeiros a darem cabo do que nossos antepassados construíram.”
Mas poderei voltar a isto com alguma clareza Titos.
Mutisse
O debate sobre herói, o seu conceito assim como “quem deve ser herói” não é novo e penso que não terá fim. Cada um ou cada nação, povo sei lá, coloca seus requisitos, mas deve estar claro que os heróis têm esse papel de “inspirar”, são nossos exemplos e desejamos, sempre que sejam imaculados. Alguns historiadores, políticos e sociólogos ocidentais procuraram, principalmente no período da guerra-fria, reduzir “heróis” a países ditadores como se eles não precisassem deles.
Trazes a Mutola que foi indicada nossa rainha de Trabalho. Esse é um outro assunto. Eu admiro Lurdes. Por diversas vezes dispensei vários programas para sentar-me enfrente a TV e suspender a respiração por 3 minutos por causa dessa menina de ouro. Olha que atletismo não é o meu desporto favorito. Sou um tipo que cresceu correndo atrás de uma bola para a dar um pontapé nas ruas de T-3. Mas ela tinha direito de 3 minutos da minha atenção nos dias das suas corridas.
No entanto Júlio, eu tenho dificuldades de olhar para os vivos como heróis. Faço parte dos que acham que os heróis devem estar num sítio onde vamos depositar flores e os falarmos das nossas aspirações sem terem possibilidade de nos responder.
Esta minha posição deve-se mais aquilo que é a própria condição humana que é susceptível de cometer erros. Para mim um herói, se cometeu erros antes de um ser, depois não tem esse direito. Sabe a traição. Como olhar para um homem que lutou pela liberdade do seu povo, sua terra que depois destrói e chacina esse mesmo povo? Herói?!
Amosse, xaka la mina
Estava toda manhã a espera de regresso prometido de Egídio Vaz para compreender o seu posicionamento em relação arquitecto de unidade nacional. Não sei se é a mesma linha de Vaz mas dás um cheirinho embora eu pense que fazes realmente uma evolução de tribo para nação.
Sem querer ser advogado de diabo, penso que quando se fala de fundador de unidade nacional se procura o ponto de partida.
Olhemos para a FRELIMO, a Frente neste caso, como um núcleo que congregava gente que vinha do que se esperava vir a ser uma nação. Se concordarmos que Mondlane foi “responsável” pela “unificação” dos três movimentos então não temos como não o olhar como responsável pelo lançamento da ideia de nação que Samora viria a concretizar.
Mas sobe isto gostava, realmente de ver a ideia de Vaz.
Mas não há dúvida Amosse que renovação dos heróis deve ser feita na mesma dimensão da sua obra.
PC
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