terça-feira, 23 de novembro de 2010

Memórias de um Espectáculo: O Dia que Chico Inventou a Música

Retirado daqui.

Memórias de um espectáculo
Policarpo Mapengo

Prometeu uma viagem aos temas que contaram a história deste país e fez uma digressão pelo seu próprio percurso musical como quem prova que “não só de memórias vive o Chico”.


Tinha prometido uma visita a sua memória. Assim recriou-se em pensamentos um espectáculo que faria uma viagem pelos tempos de bacela como “Merkandonga” onde todos reclamavam – o cliente e o vendedor: “dizem que estamos a lhes burlar mas não sabem que também compramos a preço elevado”- justifica-se uma das vendedoras na música que já nesse “antigo tempo” mostrava a importância das influências. “Unga mu dzivale Ibrahimo” ou “não te esqueças de Ibrahimo, é um velho cliente, passe-lhe o camarão por trás para que os outros não se apercebam”.


Essa música saltava da platéia entre os intervalos dos outros temas que Chico António ia interpretando. Era como se lembrasse a estrela que havia uma música escondida na sua memória, tal como o “hantlisa maria” – depressa Maria, arrume as suas coisas que tem um carro que vai a Gaza.”


A província de Gaza era vista como ponto de partida para o desenvolvimento. Podia também simbolizar o campo de onde se podiam – também nessa altura – ver como o pólo de desenvolvimento. Era desta província onde residia o sonho de alimentar o país com o arroz de Chòkwé.


As performances de Chico António têm, para o artista, o dilema de se criar “espectáculos paralelos”. É como se o público respeitasse as escolhas do artista mas que exigisse também que este corresse pela sua vontade. Mas é com a classe e segurança, aliada a nomes como Carlitos Gove, Paito Tcheco, Rufus e Simão. Juntou vozes femininas e levou um violino para sublinhar as músicas.


Quando, na semana passada se fez ao Franco Moçambicano para um “back to the time” foi buscar temas marcantes como “Baila Maria”. Na Orquestra RM, Chico António fez com Mingas uma das mais brilhantes duplas deste “País da Marrabenta” como diriam os Gpro. A ideia, contou Chico António ao “País Fim de Semana”, quando compôs a música era cantar sozinho e em português, mas convencido pelos seus “bosses” juntou a brilhante voz de Mingas e mudou para “tsonga”. Nasceu assim um dos clássicos deste “alquimista” da música que faria Manu Dibango retirar-se do seu sossego e o dar Prémio Rádio França Internacional. “Depois disso senti que já não era mais o mesmo,” disse nessa entrevista.


Tinha razão, “já não era mais o mesmo”. Nos seus espectáculos, o de Franco não foi diferente, encontra-se esse Chico António que faz experiências e aceita todas as influências. – “Escuto todo o tipo de música, até rock metal”. Mas esqueceu-se de dizer que a sua música carrega toda essa dose como nos levando pelos becos sul-africanos na lembrança, mesmo que a distância, de Sipho Mabuzi ou então numa quase doce e lenta morte de reggae que podia se confundir com uma voz emprestada de Alpha Blond.


Depois se posiciona como um “soba” e dita o ritmo que o público tem de dançar. Serve com uma tendência blues as cadências de uma noite, nesse raro jeito de arrancar aplausos com “Comer Camarão”.


Mas nessa relação com o público, Chico sabe que há coisas que não se podem fugir. Os grandes artistas sabem, disso, mesmo quando desligam os equipamentos e simulam um “asta la vista”. Sabem que não é isso que faz com o que o público abandone a platéia como também sabe que este pode ficar na sala e exigir – no caso de Chico António – que se cante “hantlisa Maria” e demonstrar essa vontade de ir a Gaza “pegar na enxada, plantar mandioca e criar gado.”

Sem comentários: