quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Para quê Escrever Depois de Ualalapi?

Um livro que não se pode ler duas vezes
não merece ser lido uma vez.
(Já não me lembro onde li isto)

Para os meus velhos companheiros
na garagem, primeiro, e na varanda da AEMO,
nas noites que discutíamos literatura.
Fui ver Ungulani

Já não é boémio dos tempos que se seguiram quando, nos anos de 1990, o seu nome se confundia com Ualalapi. Nessa altura, entrávamos pela garagem da AEMO e juntávamo-nos para discutir sobre artes na Aro Juvenil e olhávamos para nós e víamo-nos grandes escritores que poderiam repetir a revolução da geração Charua, que invadiu a casa grande e se tornou em senhores das artes.
É dessa geração o Ungulani para quem eu olhava à distância enquanto trocava frases com Eduardo White, em mais um dos tantos lançamentos de livro.

Entre fumos de cigarros, quais mais velhos, gritavam de palco onde Sangare Okapi lutava para não ser mais Cardoso Lindo só para não ser, simplesmente, o filho do dramaturgo Lindo Lhongo. Ele queria seguir o seu caminho de poeta sem o fantasma do pai.

Nessa altura, atirava-se ao palco para declamar os seus poemas eróticos, enquanto Augusto Tembe esboçava uma dramática crónica, e Roberto Isaías ainda cantava “eu não chamei tchumba, chamei namorada”, nos Satélites.
Eu, Frederico Jamisse e Sangare Okapi, como nos tempos em que fazíamos teatro no Tintlari ta Hosi, desafiávamos as distâncias da Lhanguene para juntarmo-nos à malta entre todas as paixões que acompanhavam. Jamisse escrevia poemas de meter medo, onde repetia a ideia de sangue, sexo e violência e assinava como Freddy Cooper.
Milton Machel deixava-se levar em textos da Oasis e, mais tarde, declarar-se-ia – ou sempre foi assim - um rapper nas páginas culturais do Campeão onde, depois de correr desportivamente nas ruas de Alto Maé, atravessava a 24 de Julho para escrever poéticos textos de básquete.

Foi nessa altura que queria entrevistar Ungulani Ba Ka Khosa. Guardava ainda a troca de frases que fez com White em que um defendia “leiam para depois escreverem” e outro dizia “escrevam”. Nós queríamos escrever. Éramos putos que se assumiam escritores como o faria Ligeiro em “vendo poemas”.
Mas também era dominado pela paixão. Lembras-te Milton? Já falei sobre essa relação paixão e amor no que diz respeito ao jornalismo. Era altura em que éramos os putos do Campeão, quando importava mais correr e deixarmo-nos deliciar com os textos todos eles poetizados. Penso que fui vítima de Homero Lobo, esse meu mestre que, quando cheguei ao jornal pela primeira vez, olhou para mim e disse: - Escreva!
Não sabia o que iria escrever, mas tinha de escrever.
Ualalapi, de Ungulani, ecoava na minha cabeça quando liguei para ele a querer entrevistá-lo. Penso que na altura não sabia o que lhe iria perguntar. Acho que repetiria as perguntas dos testes da disciplina de português que faziam a pergunta que mais detestava.

“O que o autor quis dizer?” –irritava-me essa pergunta. Como saber o que o autor quis dizer?

Para Ungulani, não fazia sentido que um principiante o quisesse entrevistar. “Para vir perguntar meu nome e minha idade.” Justificou-se no encontro que teve com Homero.

Não sei se o perguntaria isso. Mas penso que falaríamos de Ualalapi. Ou perguntar-lhe-ia por que é que alguém que escreveu Ualalapi ainda precisa de publicar mais um livro. Porquê não se exilou nesse clássico que é um dos cem maiores livros africanos do século passado, como fez Luís Bernardo Honwana depois de “Nós Matamos o Cão Tinhoso”?

Porquê escrever depois de Ualalapi?

Essa pergunta perseguiu-me há dias quando combinámos a entrevista adiada há 12 anos. Não era mais o boémio dos tempos, mas mantém a sua coerência quando o assunto é política, como também não esconde o seu desamor quando fala de Samora Machel. “Era um ditador!”

Mas porquê escrever depois de Ualalapi? Perguntei, quando se posicionava para a fotografia. Não deixou de rir enquanto eu acrescentava. “Se fosse eu, depois de Ualalapi, não escreveria mais.”

Ele tem outra opinião. Nós é que andamos presos à fantasma de Ualalapi, mas ele já se libertou, razão pela qual consegue escrever outros livros como o seu mais recente “Choriro”.

Esta é uma carta que escreveria também para esse grande senhor da literatura africana, que soube desconstruir a história do império de Gaza para nos oferecer um livro sem preconceitos, onde os exageros o dão toda a grandeza.
Para Júlio Mutisse, esse meu irmão de todas as batalhas, “Orgia dos Loucos” é o melhor não só pela profecia que faz ao nascimento da Rosita numa árvore no tempo das cheias, mas tambem pela forma clara como olha para uma sociedade como um mundo de loucos.

Pode ser. Mas Ualalapi é Ualalapi.

Aquele abraço.

3 comentários:

Julio Mutisse disse...

Hawena por que insistir em ver Ungulani APENAS a partir de Ualalapi? Ungolani é enorme... apesar de ter menos livros publicados e aparecer pouco na imprensa quando comparado com alguns escritórios digo escritores mozies.

Nelson disse...

Jean Paul foi quem disse que "Na verdade um livro que não merece ser lido duas vezes não é digno de ser lido nem uma vez"
E teriamos o Choriro se Ungulani te ouvisse? E o tanto que provavelmente o Ungalani vai ainda escrever?
Ualalapi foi o primeiro livro que comprei com dinheiro do suor próprio depois de um tio ter me gabado da história.

Maquiti disse...

Ualalapi, um dos melhores livros que já lí na vida,


M