Os ateus fazem a vontade de Deus por não acreditarem nele.
Se Deus quisesse que acreditássemosnele faria com que acreditássemos.
Quem sabe se o próprio Deus não é ateu
Citação reproduzida mentalmente, ouvida na RDP-Africa
no lançamento do livro de Eduardo Agualuza
Para Ilídio Sitoi
Pelas conversas que não teremos - Matola 07 de Julho de 2009
Irmano, nunca te quis escrever esta carta. Aliás, esta é a carta que nunca quis escrever para alguém e que nunca esperei escrever.
É estranho, acredites Ilídio, escrever uma carta para alguém que sei que nunca a irá ler. É estranho estar aqui a tentar recriar momentos de uma curta história de dois jornalistas que o destino os pregou uma partida. Falo de tu e eu.
Tu, porque nunca mais irás escrever enquanto o desejavas tanto. Eu porque terei de continuar escrever mas sem a mesma ilusão que tu tinhas. Acho que é isso que me fará falta companheiro: a tua ilusão.
Estavas ainda na idade de ilusões. Acreditavas, como eu, que o jornalismo era capaz de mudar o mundo. Mas qual jornalismo? Nós os dois sabíamos que não era este o jornalismo que queríamos fazer. Nós os dois sabíamos que o nosso jornalismo podia ainda ser melhor. Sabíamos que podíamos fazer melhor. Era essa a ilusão que te acompanhava, acreditar num jornalismo livre de interesses que se baseava somente na verdade.
Te perguntei um dia o que era a verdade. Me vieste com uma série de filosofia que não compreendi e esperava que um dia voltássemos a falar da tua ideia da verdade. Mas hoje sei que não falaremos mais.
Há muita coisa que não falaremos mais meu irmão.
É estranho estar aqui a escrever uma carta para alguém que nunca a irá ler.
Eu sei o que dirias, companheiro. Sei que irias aproximar a tua cara para a minha e perguntar atrevidamente: “ouve lá, por que é que escreve?”
Não te daria a resposta porque para ti as coisas tinham de ser claras como a vez que perguntaste ao nosso fotografo Rogério porquê algumas das fotos que tu fizeste estavam boas e outras tantas más.
“Foi por sorte”, respondeu ele com sua única simpatia.
“Não me fale de sorte, ou sei ou não sei tirar fotografia.” Respondeste.
Nunca te perguntei se acreditavas em sorte. Não havia pressa. Ou pelo menos eu assim achava. Nos sentaríamos num bar qualquer, pediríamos uma boa cerveja e discutiríamos sobre a sorte. Tu acreditavas em sorte?
Nunca me irás responder
É da religião que mais te queria falar nesta carta. Ou melhor, já tínhamos discutido sobre a tua desilusão em relação a igreja e me desta a ideia de escrever uma carta sobre o assunto.
Uma vez na redacção me falaste que não sentes mais na igreja a mesma apaixonante promessa de “céu” e “paraíso” que te cativava na infância.
Me interessou essa tua observação, primeiro por seres de uma família religiosa criado com base na bíblia, em nome do Pai e nos mais nobres princípios religiosos. Para ti Ilídio, “a igreja tinha mudado.”
Mesmo com esse ponto de vista não deixavas de ir a igreja. Eu sempre que te ligava e me dizias que estava na igreja perguntava como é que conseguimos ir para um lugar onde não mais nos apaixonava?
Para ti era fácil atribuir essa sua frequência a igreja a mesma ilusão dos dias melhores que tinhas pelo jornalismo.
Mas para mim não era a igreja que havia mudado, mas sim tu. A igreja se guia pelos dogmas e as mudanças que ocorrem nela não são revolucionárias. Acho que é a instituição com mais resistência às mudanças. Elas camaleões e resistem o máximo que podem e não podiam, em 22 anos de vida que tu tinhas terem ocorrido várias mudanças na igreja.
O que tem acontecido é a mudança das pessoas que assumem os destinos da igreja. Te disse isso mano. Muitas das pessoas que assumem os destinos da igreja o fazem por interesses próprios e outros chegam-se assumir como senhores absolutos das mesmas.
O papa João Paulo I, que teve o papado mais curto da história do Vaticano, apenas 33 dias, defendia uma igreja pobre ao serviço dos pobres.
Já imaginaste mano, a riqueza toda que a Igreja Católica construiu com base em negócios feito com base na ambição reservada aos meros mortais, para se acabar pela vontade de um só homem de origens pobres que nunca sonhou ser papa? Estava escrito que Albino Luciano, ou Papa João Paulo I não sobreviveria.
Estava a dizer, irmano que não foi a igreja que mudou mas sim as pessoas que assumiram os destinos da igreja. Ela ainda usa os mesmos livros, ainda nos dão o céu em troca de fazermos o moralmente correcto, ainda nos garante o amor de Deus pai todo o poderoso, repete-nos o sacrifício do seu filho Jesus Cristo crucificado pelos nossos pecados e nos garantem o baptismo como caminho para a nossa purificação.
Também, tu podes ter mudado, e não a igreja. Pelos livros que leste, pelos lugares que foste, pelas pessoas com quem conversaste e pelos amores que tiveste. Tu podes ter mudado e a igreja não acompanhou os seus anseios. Mas isso é o que estava a dizer. A Igreja em si, é uma instituição estática.
Gostava de voltar a discutir isto contigo mano, mas sei que nunca mais irei o fazer.
Sei também que o sonho de quando fores mais velho te refugiares na tua quinta o mais longe possível da cidade para fazeres análises desta pátria amada, nunca mais se irá concretizar.
Mas fico aqui a me perguntar o que irias escrever. Que ideias tinhas sobre este país?
Nunca mais companheiro
Esta é a carta que nunca te quis escrever.
Agora tenho de parar...
... está na hora do... teu funeral.
12 comentários:
Gostei. Interessante
Bonita e profunda carta PC!
Fazes uma interessante incursão aos dogmas e modus operandi da Igreja e da sua doutrina. Realmente o que muda somos nós as pessoas e não a doutrina. A liturgia é a mesma, os cânticos, etc…
Conforme refere Jean Piaget: ”há coisas que nos parecem claras numa certa idade, mas numa idade posterior ficam clarividentes”. Fazendo uma analogia com pensamento de Piaget, concordo contigo PC quando afirmas que o teu amigo, pode ter começado a questionar os cânones religiosos devido as influencias que tem estado a ter na sua vida.
Privei uma única vez com o Ilídio Sitoi. Irradiava vida e vontade de viver, aprender. Foi-se o Ilídio sem que pudesse, pelo menos mais uma vez, conviver com ele, ouvir-lhe discordar das opiniões lançadas, sem pudores.
Mas em fim. A lei da vida estabeleceu que nascemos, normalmente, depois de 9 meses de gestação, mas não determinou com que idade morremos.
Descanse em paz miúdo.
Nyiki, eu acredito no que dizes sobre a religião. "”há coisas que nos parecem claras numa certa idade" e que com o acumular de sacos de arroz consumidos começam a ser questionáveis. No meu caso não questiono Deus e toda a construção a sua volta. Questiono o que nós os humanos fazemos dessa construção.
Para não perder a fé em Deus deixei de ir regularmente a Igreja.
Nero
Foi bom teres passado por cá, espero que voltes sempre para leres as minhas cartas.
Mutisse
Em um dia tu conseguiste notar a vontade de viver em Ilídio, era exactamente isso que o caracterizava e é isso que os amigos dele sentiram falta, principalmente o seu lado irreverente.
Acho uma atitude radical fugires da igreja para não de desiludir. É verdade Mutisse que por vezes a melhor solução é estar longe de tudo que achamos que nos pode fazer mal. Mas sendo tu filho de um pastor penso que a tua fuga para preservar a fé é limitada e a ideia de deus está presente na tua vida. Acho meu irmão que foi o teu abecedário.
Nyiki
A minha relação com a igreja começou a desmoronar-se com as minhas primeiras leituras sobre a reforma religiosa. Os meus amigos me acusam de ser ateu. Bem, sabes que ainda não tive tempo para perceber o que é realmente ser ateu? A minha relação com igreja não tem muito a ver com Deus mas sim com os que vestem-se de batinas e de fatos e repetem o seu nome nos convencendo que são santos.
Para mim Nyiki, os exemplos contam muito. Uma amiga dizia-me, quando discutíamos o meu repúdio aos “homens de Deus”, que eu devia ir a casa do senhor não por eles mas pela fé. Penso que não preciso de ir a casa de senhor para isso. Não preciso de mudar também de igreja, preciso de estar no meu canto e olhar para a religião de meu jeito.
É verdade Júlio e Nyiki que nós mudamos com os socos que levamos, com os livros que lemos e aprendemos a questionar todos os dogmas. O meu livro de cabeceira é Jesus Cristo Nunca Existiu, que me ajuda a olhar para a igreja não como ateu mas sim como alguém que procura compreender a construção do cristianismo e manter a fé num ser superior que podemos chamar deus, Natureza ou Homem. Não é nome que importa.
Mapengo, (acho que é de termos nascido no mesmo dia e no mesmo mês) temos muitas semelhanças. Se calhar não tenha conseguido explanar isto como tu o fazes. O meu problema também é "com os que vestem-se de batinas e de fatos e repetem o Seu nome nos convencendo que são santos" (nestes se exclui meu pai heheheeh só que este pastoreia em Manjacaze).
Para mim também os exemplo contam. E para não tomar a hipocrisia (esta reina demais nas igrejas) como exemplo, prefiro curtir Deus do meu canto; conversar com ele e sentir me constantemente em paz com Ele.
O que a sua amiga te disse sobre ir "a casa do senhor não por eles mas pela fé" a minha mãe diz TODO O DIA em que falamos desta questão. Mas a fé está dentro de mim e cada pontapé, sucesso, insucesso, tropeço que vou dando olho para cima e encontro este conforto que me faz sentir que estou em paz com Ele. Percebes?
Amigos...eu acredito que de qualquer das formas o nosso amigo vai tomar conhecimento desta carta. Eu, estranhamente, acredito em muitas formas de vida. Nao sei se isso é religiao!
Parabens Mapengo
Kkakakaka Júlio
Nessa linha não incluía o velho Mutisse.
Acredito que hajam bons pastores como Albino Luciano, o papa dos 33 dias. Mas o melhor, para a grande instituição que é a igreja, não só a Católica, é afastar os bons. Já paraste para compreender as razões de na mesma rua, como a minha por exemplo, existirem 3 igrejas Ziones? Olhe que os seus líderes eram todos companheiros na mesma capela. Que divergências são essas que não são superáveis em nome de Deus?
O bom pastor como o velho Mutisse será lembrado pelas suas ovelhas pobres e as luzes de ribalta se apagarão para esses grandes homens simplesmente por interpretarem fielmente e pelos seus actos, o que vem no livro sagrado.
Conheces a frase “ni dlawela ku lunga” o mesmo que “passo mal por ser honesto/bom”. Na igreja não há espaço para os bons.
É Duma.
Eu acho que essa é uma forma de religião. Penso, diga qualquer coisa sobre isto Nyiki, que religião tem muito a ver com a nossa crença sobre algo. Eu não faço parte dos que acreditam na vida depois da morte. Tenho dificuldades de ver uma outra vida para além desta e sempre que faço um esforço para imaginar o que acontece depois da morte fico com calafrios pelo vazio que me aparece. Mas nunca contesto os que acreditam na encarnação, na vida depois da morte e na ascensão da alma.
1. Na Igreja Não Há Espaço para Os Bons.
2. Eu sou bom; logo...
3. _________________
Prefiro não comentar para não correr o risco de adulterar a perfeita descrição que fazes – por todos nós que o destino quis que fosses companheiros de Ilídio. Sonhávamos, riamo-nos das nossas desgraças de jornalistas incompreendidos – ou nós é que insistimos na perfeição quando muitos prosperam em nome da mediocridade na profissão que se diz ser a mais nobre do mundo – e será que ainda é? – tínhamos a mania de sonhar que dias melhores virão. Tínhamos a nossa religião – como a de Duma – mas nunca tínhamos equacionado na possibilidade de a morte abraçar tão cedo o nosso companheiro de sonho. Não: morrer assim…não!!!
Anselmo Titos
Paz a sua alma!
Nao tive muito vagar em ler o post, fiquei comovida com o pretexto da sua redacção.
En tout cas, confesso-me desiludida com a igreja, nao por ela mesma, mas pela postura das pessoas que andam la dentro. Querem-na burocratizar?!!!
Titos
Compreende-se a revolta. É realmente isso que também senti. Tu falas de sonhos e eu falo de ilusões. Tu e Ilídio acredita(va)m na mudança do jornalismo para aquilo que sempre achamos ser perfeito. Eu já não tenho ilusões. Tu chamas a isso de desistir e eu prefiro fazer o meu trabalho o melhor possível.
Olá Ximbi
Há quanto tempo.
Penso que não se procura burocratizar mas sim tirar-se proveito da igreja. Tem que se tirar proveito da fé das crenças dos pobres que querem salvar as almas. A burocratização da igreja é mais para reduzir acesso a maioria e o “céu aqui na terra”, beneficiar a alguns.
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