Para Júlio Mutisse
e todos que como eu
ainda acreditam no jornalismo
e todos que como eu
ainda acreditam no jornalismo
A vida é tão querida ou a paz tão preciosa
que devem ser compradas à custa da escravidão?
Não permitais, Deus todo-poderoso!
Ignoro o caminho que os outros seguirão,
mas a mim dai-me liberdade ou a morte.
- dos prémios Nobel de Literatura e Pullitzer, John Steinbeck
em O Inverno do Nosso Descontentamento.
Matola, 06 de Maio de 2009
Querido amigo Júlio Mutisse,
que devem ser compradas à custa da escravidão?
Não permitais, Deus todo-poderoso!
Ignoro o caminho que os outros seguirão,
mas a mim dai-me liberdade ou a morte.
- dos prémios Nobel de Literatura e Pullitzer, John Steinbeck
em O Inverno do Nosso Descontentamento.
Matola, 06 de Maio de 2009
Querido amigo Júlio Mutisse,
Neste mês de trabalhadores te escrevo desta minha Matola para te falar de jornalismo, uma profissão que aprendeste a admirar mesmo não sendo a tua área. Te escrevo porque sei que tu, como muitos amigos meus entre eles Milton Machel e Anselmo Titos ainda acreditam no poder do jornalismo.
Na noite da quinta-feira, um dia antes do primeiro de Maio, o presidente do Município da Matola, Arão Nhancale, convidou jornalistas para uma conversa informal. Olhe meu companheiro, nos últimos tempos, a ideia de “conversa informal” prolifera na nossa praça.
Esse encontro que devia ter servido para, “informalmente”, discutir se com o chefe do executivo da Matola sobre os problemas do município, analisar os aproximadamente 90 dias da sua governação e, até certo ponto, darmos uma assessoria.
Dizia que esse encontro se transformou claramente num campo de afrontas entre os jornalistas, cada um a tomar a sua posição que mais podia se comparar com trincheiras.
A discórdia meu caro Júlio vem, acho eu, do termo “conversa informal”. Para uns, como eu, é exactamente nessas conversas informais que temos de dizer aos nossos líderes o que está mal.
Sabes que apesar de elogiar sou da opinião que as pessoas, principalmente os nossos governantes não devem fazer coisas boas a espera de nossos aplausos pois, para mim, fazer tais coisas boas é dever deles. Mas, quando não fazem, temos sempre de os lembrar que não estão a fazer bem.
Os encontros informais devem ter esse papel. Como disse um dos jornalistas presente nesse encontro, “o presidente não nos chamou aqui por sermos bonitos ou termos olhos azuis.” Eu acrescento que Nhancale não nos chamou para o Mutchipe por sermos amigos dele com quem podemos beber uns copos falando das mulheres elegantes. Acredito que ele não precisa de nós para isso. Aliás, um assessor de políticos brasileiros já disse que “jornalista não é amigo de político” isto porque enquanto um quer informação outro quer fazer passar as suas ideias e a sua imagem de “bom moço.”
No entanto, Júlio, a conversa não avançou porque enquanto uns defendiam o aproveitamento daquele “informal” para mostrar ao presidente que nos três meses de poder pode se fazer muita coisa, outros queriam que aquele fosse um encontro de brothers. Lembro-me que um até perguntou em voz alta “vocês não sabem o que é um encontro informal?”. Naquele encontro tive a certeza que não sei o que é “encontro informal.”
Um colega meu, Serôdio Towo, que como eu não sabe o que é um encontro informal, elevou a sua voz para mostrar que descobriu a pólvora: “afinal este encontro é para comermos e beber?”
Isso é que é informal.
Uma vereadora, já na saída veio ter comigo para reclamar que nós – jornalistas – estragamos tudo porque aquele encontro foi marcado pelo presidente para falar e nós só tínhamos que ouvir.
Isso é que é informal.
Mas, meu companheiro, em condições normais nem devia me surpreender. Para quem esteve também no “encontro informal” do Chefe de Estado, Armando Guebuza com os directores e os editores dos órgãos de informação nacionais isto nem deve surpreender. Ali estava a nata do nosso jornalismo. O Chefe estava a espera de contribuições dos pensadores, dos que fazem a opinião. Mas o que ouviu foram ilustres figuras a sugerirem ao Chefe de Estado a preocupar-se com uma má sinalização numa estrada do Bairro do Jardim; outro começou por dizer que era vizinho do chefão em Magoanine e este devia ver uma rua cheia de areal lá no interior daquele bairro. Um outro, que até é jovem (que geração meu deus?) director de uma rádio com nome das costas do nosso país sugeriu ao chefão que tomasse medidas para que os jovens não consumissem aguardentes como Cabeça de Velho ou outros tontontos que se vendem nas zonas centro e norte do país porque isso leva a decadência juvenil.
Não digo que estes assuntos não sejam importantes mas… vaka hina!
Estes dois encontros informais Júlio, nos levam ao debate de liberdade de imprensa, de expressão e de tantas outras por aí.
É neste tipo de encontro onde podemos também influenciar como quarto poder.
Antes de exigirmos que nos dêem liberdade nós temos de saber fazer uso da mínima liberdade que temos. Quando formos a discutir a questão das liberdades temos de ter em contas aquela que nós temos pela simples condição de sermos homens e aquela que devemos ter por pertencermos a uma sociedade. Depis de termos noção disso temos de ver se sabemos fazer uso delas.
Muitas das vezes nós reclamamos a falta de liberdade quando somos os primeiros a sufocar as nossas próprias liberdades e por vezes sem necessidade. Por vezes sufocamos a liberdade quando estamos num palco onde podemos aproveitar com classe os nossos “15 segundos de fama.”
Um dia depois do encontro com Nhancale, um relatório internacional publicado nos jornais portugueses “Diário de Notícias” e “Público” indicava que “apenas 17% de população se beneficia de uma imprensa livre.” Tomando o exemplo da Itália que é um dos países de jornais em abundância, pode se dizer que há uma imprensa livre quando a maioria desses órgãos estão nas mãos Sílvio Berluscone, por sinal Primeiro Ministro? Mas disto Milton Machel já falou quando levantou a questão de aparecimento de muitos jornais.
O que quero dizer Júlio é que antes de exigirmos algo dos outros temos de saber valorizar o que temos. Naquele encontro voltei a questionar se ainda podemos dizer que o jornalismo é o quarto poder em Moçambique e se alguma vez foi.
Infelizmente agora não me parece. Agora me parece mais um quarto onde o poder descalça as botas para alguém engraxar.
Meu companheiro tenho de parar por aqui porque a carta já vai longa.
Um abraço a todos que acreditam que o jornalismo pode ser um quarto poder.
Na noite da quinta-feira, um dia antes do primeiro de Maio, o presidente do Município da Matola, Arão Nhancale, convidou jornalistas para uma conversa informal. Olhe meu companheiro, nos últimos tempos, a ideia de “conversa informal” prolifera na nossa praça.
Esse encontro que devia ter servido para, “informalmente”, discutir se com o chefe do executivo da Matola sobre os problemas do município, analisar os aproximadamente 90 dias da sua governação e, até certo ponto, darmos uma assessoria.
Dizia que esse encontro se transformou claramente num campo de afrontas entre os jornalistas, cada um a tomar a sua posição que mais podia se comparar com trincheiras.
A discórdia meu caro Júlio vem, acho eu, do termo “conversa informal”. Para uns, como eu, é exactamente nessas conversas informais que temos de dizer aos nossos líderes o que está mal.
Sabes que apesar de elogiar sou da opinião que as pessoas, principalmente os nossos governantes não devem fazer coisas boas a espera de nossos aplausos pois, para mim, fazer tais coisas boas é dever deles. Mas, quando não fazem, temos sempre de os lembrar que não estão a fazer bem.
Os encontros informais devem ter esse papel. Como disse um dos jornalistas presente nesse encontro, “o presidente não nos chamou aqui por sermos bonitos ou termos olhos azuis.” Eu acrescento que Nhancale não nos chamou para o Mutchipe por sermos amigos dele com quem podemos beber uns copos falando das mulheres elegantes. Acredito que ele não precisa de nós para isso. Aliás, um assessor de políticos brasileiros já disse que “jornalista não é amigo de político” isto porque enquanto um quer informação outro quer fazer passar as suas ideias e a sua imagem de “bom moço.”
No entanto, Júlio, a conversa não avançou porque enquanto uns defendiam o aproveitamento daquele “informal” para mostrar ao presidente que nos três meses de poder pode se fazer muita coisa, outros queriam que aquele fosse um encontro de brothers. Lembro-me que um até perguntou em voz alta “vocês não sabem o que é um encontro informal?”. Naquele encontro tive a certeza que não sei o que é “encontro informal.”
Um colega meu, Serôdio Towo, que como eu não sabe o que é um encontro informal, elevou a sua voz para mostrar que descobriu a pólvora: “afinal este encontro é para comermos e beber?”
Isso é que é informal.
Uma vereadora, já na saída veio ter comigo para reclamar que nós – jornalistas – estragamos tudo porque aquele encontro foi marcado pelo presidente para falar e nós só tínhamos que ouvir.
Isso é que é informal.
Mas, meu companheiro, em condições normais nem devia me surpreender. Para quem esteve também no “encontro informal” do Chefe de Estado, Armando Guebuza com os directores e os editores dos órgãos de informação nacionais isto nem deve surpreender. Ali estava a nata do nosso jornalismo. O Chefe estava a espera de contribuições dos pensadores, dos que fazem a opinião. Mas o que ouviu foram ilustres figuras a sugerirem ao Chefe de Estado a preocupar-se com uma má sinalização numa estrada do Bairro do Jardim; outro começou por dizer que era vizinho do chefão em Magoanine e este devia ver uma rua cheia de areal lá no interior daquele bairro. Um outro, que até é jovem (que geração meu deus?) director de uma rádio com nome das costas do nosso país sugeriu ao chefão que tomasse medidas para que os jovens não consumissem aguardentes como Cabeça de Velho ou outros tontontos que se vendem nas zonas centro e norte do país porque isso leva a decadência juvenil.
Não digo que estes assuntos não sejam importantes mas… vaka hina!
Estes dois encontros informais Júlio, nos levam ao debate de liberdade de imprensa, de expressão e de tantas outras por aí.
É neste tipo de encontro onde podemos também influenciar como quarto poder.
Antes de exigirmos que nos dêem liberdade nós temos de saber fazer uso da mínima liberdade que temos. Quando formos a discutir a questão das liberdades temos de ter em contas aquela que nós temos pela simples condição de sermos homens e aquela que devemos ter por pertencermos a uma sociedade. Depis de termos noção disso temos de ver se sabemos fazer uso delas.
Muitas das vezes nós reclamamos a falta de liberdade quando somos os primeiros a sufocar as nossas próprias liberdades e por vezes sem necessidade. Por vezes sufocamos a liberdade quando estamos num palco onde podemos aproveitar com classe os nossos “15 segundos de fama.”
Um dia depois do encontro com Nhancale, um relatório internacional publicado nos jornais portugueses “Diário de Notícias” e “Público” indicava que “apenas 17% de população se beneficia de uma imprensa livre.” Tomando o exemplo da Itália que é um dos países de jornais em abundância, pode se dizer que há uma imprensa livre quando a maioria desses órgãos estão nas mãos Sílvio Berluscone, por sinal Primeiro Ministro? Mas disto Milton Machel já falou quando levantou a questão de aparecimento de muitos jornais.
O que quero dizer Júlio é que antes de exigirmos algo dos outros temos de saber valorizar o que temos. Naquele encontro voltei a questionar se ainda podemos dizer que o jornalismo é o quarto poder em Moçambique e se alguma vez foi.
Infelizmente agora não me parece. Agora me parece mais um quarto onde o poder descalça as botas para alguém engraxar.
Meu companheiro tenho de parar por aqui porque a carta já vai longa.
Um abraço a todos que acreditam que o jornalismo pode ser um quarto poder.
5 comentários:
Só passei para te desejar muita energia nesta escalada! Volto em breve.
Meu ilustríssemo amigo Mapengo,
A que devo a honra de ser o primeiro destinatário das suas missivas? Honra me muito o facto mas me coloca uma situação delicada.
Devo responder? Devo cingir-me à classe jornalística na análise dos problemas que afectam a classe ou o contexto, no geral, propicia essa "tendência"?
O que diriam os advogados num encontro informal com o PR Guebas? O que diriam os engendenheiros? Será que nós todos, profissionais de diferentes áreas do saber, temos capacidade para num conversa informal dizer ao Presidente da República que, por exemplo, no caso dos juristas, que é necessário que haja uma política legislativa coerente, com objectivos claros sobre o que se pretende etc etc que agora, a meu ver, não existe?
Será que têmo-los devidamente pendurados para, a cada momento, sermos subversivos (no bom sentido claro) e dizer o que pensamos sem receios?
Me parece que não. Quando me diriges esta carta e me contas dos encontros informais já havidos e que presenciaste, fico preocupado. Vejo tanto alarido nos jornais, afrontas até a pessoa do PR e outros e, em privado, e num local privilegiadíssimo para aprofundar o que pensamos, falamos da cerveja, Whiskie e buracos na estrada; quer dizer, nem sabemos a que instituição em concreto nos dirigir para apontar os problemas. Fico preocupado meu caro. Profundamente.
Quanto ao Nhacale, perderam a oportunidade de dizer que a Matola encravou; nada anda e não devia ser assim. Ao PR perderam a chance de aprofundar a abordagem dos temas com que lhe "chimbam" semana sim, semana não, nos vossos semanários.
Mas esse não é problema só dos jornalistas. É um problema generalizado...
Mutisse
Mapengo, vou informar-me acerca do conceito de encontro informal e voltarei.
Cumprimentos e forca ai!
Vou seguir o exemplo da Nyikiwa! Gostei sobretudo de saber como e porque as informações formais diferem das informações informais.
Muita coisa sabemos por via de "boatos" propagados pelos proprios homens da escriba (é assim que se diz?) pois muitos ha que nao tem cintura para os assumir, nos seus locais de trabalho, pura e simplesmente porque nao querem ser mal vistos.
Shir, foi bom saber que passaste por cá para ver esta carta.
Ésta é, penso eu, a única correspondência que deve ser violada. isto é, que apesar de se enviar para alguém tem de ser vista por todos.
Meu caro Júlio, mandei para ti primeiro, e especialmente comecei pelo jornalismo porque não queria ser como kindzo, a planta que dá aos cristãos ramos para domingo de... ramos. Diz-se que kindzo varre ao seu redor e esconde muito lixo por baixo de si. Jornalismo é minha casa. acredito Julio que isto acontece em todas as profissões. aproveito este ponto para responder também a Ximbitana. No jornalismo até acontece o contrário. Dentro das redacções olhando ao ecrã com os dedos nas teclas há uma espécie de poder que não aparece nas “conversas informais”, eles parecem servir mais para pedir desculpas e renovarem-se as amizades quase perdidas ou que nunca existiram. Não pergunte como se renovam essas últimas.
Penso Júlio que até os juristas poderiam entrar no “politicamente correcto” ou entram no “politicamente correcto” nestes encontros informais. Ninguém gosta, como diz Ximbitana de ser “mal visto” principalmente pelo poder.
Nyiki, também preciso saber o que é “encontro informal” espero que me ajudes porque já não percebo nada sobre isso. PC
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