sexta-feira, 11 de junho de 2010

Jornalismo, Bachir e a Causa Nacional

“A sociedade que aceita
qualquer jornalismo
não merece jornalismo melhor."
Alberto Dines
Querida Zenailda Machado
Matola 12 de junho de 2010
Nunca percebi melhor o que queria dizer um jornalista e escritor brasileiro quando revoltado com a sua profissão e arte disse com raiva: “chega de escrita, vou plantar batas e criar porcos!”
Era a descarga de quem engolira tantos sapos e se desiludira com aquelas que para muitos – até para mim – é a apaixonante profissão. Mas ontem Z, me apercebi que o caso Bachir põe em causa a nossa capacidade de pensar friamente.

Não sei se dessa distância que te encontras da nossa índica pátria amada te apercebeste das trincheiras que se formaram. Os jornalistas se demitiram do seu papel e se posicionaram claramente como “advogados” – de defesa e da acusação.

Os discursos jornalísticos que foram repetidos nos jornais e TV’s moçambicanos quando a notícia de “Bachir barão de droga” explodiu como uma bomba, tinham um subtil tom de “ainda bem”. Era como se todos estivessem a espera desse momento. Os jornais não se deram tempo para julgar (o que não é tarefa deles) correram logo para o condenar (o que também não é tarefa deles). Na imprensa – e porque Barack Obama disse – ele era sem dúvidas “o barão de droga”da África Austral.

Z, ontem precisavas estar neste país do Índico. O assunto de Bachir era o assunto nacional. O país quase que parou para se acompanhar vídeo conferencias na Embaixada dos EUA. Os grandes senhores, os barões do nosso jornalismos, homens com opinião respeitada e que o público pára para os ouvir se encarregaram de estar nessa conferencia. Não era espaço para os “putos” pois o “droguismo”de Bachir é um caso nacional. Foram “hi u kulo” – como diria minha avo.

O mais chocante é a desilusão (ou alívio) com que muitos ficaram por aquilo que chamam de “falta de provas”. O discurso jornalístico mudou e como que a heroificação de Bachir os canos das escritas viraram-se contra os americanos “como é que Obama acusa sem provas?”

Os jornalistas seniores estavam revoltados por se ter sujado o nome de Bachir sem prova. Entrincheiraram-se e atacaram sem piedade “o que estes americanos pensam que somos?”

Até posso perceber a indignação Z, mas este caso me trouxe uma coisa assustadora. O nosso jornalismo é feito de reproduções de discursos. “Bachir é barão de droga!” todos correram e fizeram manchetes. As TV’s dedicaram 15 a 30 minutos ao tema, com reportagens feitas com “diz-se que”, “segundo o especialista...” O tempo e as páginas foram assim preenchidos para a satisfação de todos.

Depois veio “EUA não tem provas” para o bem do país.

Não se fez uma corrida em contra mão que eu acho que deve ser o jornalismo. Mais do que aparecerem darem suas caras de estrelas do nosso jornalismo e dizerem “EUA não tem provas” era importante ajudar a compreender este caso de uma maneira fria que se exige ao jornalismo e jornalista.

Acho que não é papel de jornalismo/jornalista defender ou acusar. A obrigação é informar, é colher dados e ajudar a compreender os fenómenos. É preciso questionar porquê EUA meteu Bachir nessa lista e porquê aparece agora a não fornecer dados concretos. E isto não se olha simplesmente em linha jurídica como muitos querem nos fazer compreender. Penso eu Z que este caso deve ser visto na esfera jurídica, diplomática e económica.

Mas este é o jornalismo que temos. Um jornalismo de emoções e jornalistas advogados.

Sem mais linda, receba um abraço cá do indico, com o calor próprio da minha Matola para te ajudar a aquecer nesse reino que se quer unido.
PC

6 comentários:

aminhavozz disse...

Mapengo

Gostaria muito de poder responder as tuas perguntas. Mas infelizmente nao tenho as respostas.

Fui mal compreendida quando varias vezes defendi que deviamos perceber as acusacoes dos EUA, pressionar o governo mocambicano a tomar uma posicao, e apoiar a resposta do MBS. O meu objectivo era e eh muito simples: perceber o que esta por detras destas acusacoes. Das duas uma: ou os EUA estao certos e prerferiram nao avancar provas publicamente (por motivos q desconheco) ou os EUA estao errados e ai teremos que questiona-los o Porque desde filme...

Os jornalistas sao seres humanos e tambem teem as suas agendas. Se isso eh errado? Nao sei... Vamos discutir ate nos cansarmos.

Aqui onde estou tambem ha agendas. A batalha de 'headlines' eh terrivel, desde o assunto no Golfo do Mexico ao Mundial. Devias ver como alguns media bombardeam o Obama por exigir q a BP pague pelos estragos... E devias ver como outros fazem dew tudo para desacreditar o Mundial da SA. O acidente de carro que matou 3 britons perto da fronteira com Swazi parece ser culpa do governo de Zuma e do Mundial. Sendo africana, nao imaginas como isso me entristece.

Mais uma vez pergunto: sera isso errado? Nao sei...

Mas eu nao perco esperancas... E acredito q os jornalistas vao continuar a pressionar o PGR para continuar a trabalhar no inquerito que disse q tinha instalado, sobre o assunto. E que continue a pessionar o governo americano para colaborar com as instituicoes mocambicans neste e outros assuntos. Isso inclui, logicamente, a apresentacao de provas concretas...

So assim a verdade vira a tona. Nunca nos podemos esquecer de uma coisa: independentemente das nossas agendas, o primeiro compromisso do jornalista eh com a verdade...

Um abraco...

Júlio Mutisse disse...

Meus caros,

O mundo funciona a uma velocidade tal que exige dos profissionais da media que estejam, constantemente, por cima dos acontecimentos para alimentar a avidez do publico por mais e mais informacao, num mundo NOVO em que, praticamente, a coisa a acontecer ja esta a ser mediatizada ate atraves de blogs (vejam, no nosso caso, o blog do Professor Serra que eh ja um autentico jornal).

So que estar por cima dos acontecimentos nao implica necessariamente conhecimento ou aprofundamento do que dizemos. Essa eh a razao porque, nao poucas vezes, os media se auto-desmentem ou contradizem a medida em que a informacao flue como, me parece, que esta a contecer no caso Bashir.

Concordo convosco que a verdade deve ser o compromisso dos jornalistas num mundo e num ambiente em que as empresas jornalisiticas tambem precisam fazer lucro as custas da venda da informacao muitas vezes transmitida de forma bruta.

E aqui voltamos, de novo ao papel do jornalista. Qual deve ser o papel desta classe de profissionais tendo em conta os desafios das instituicoes que os empregam e o compromisso da verdade?

Sera possivel impor ao Escorpiao, Savana, Zambeze, Pais, etc, que reflitam e aprofundem a informacao difundida pelos OMNIPRESENTES americanos sobre Bashir, numa logica em que tal informacao da um bom titulo e so por si vende jornal?

Parece que nao, numa logica de lucro como agenda.

Mas enfim, quais sao os desafios que a classe deve assumir tendo em conta o compromisso com a verdade?

Milton Machel disse...

Meus caros,alguns pontos que a sagrada missao de procura da Verdade obriga nos os jornalistas nacionais a clarificar neste caso:
- Qual a natureza do "Drug Kingpin Act" (Lei dos Baroes da Droga) dos americanos?
- Qual a logica do processo de Designacao Especial de Barão da Droga(SDNTK)?
- O que significa para Mocambique um cidadao/empresario nacional ser designado Barao da Droga pela Administracao Americana?

Estas sao algumas questoes basicas que os decanos e seniorissimos do nosso jornalismo (professores universitarios ate', parte deles) nao quiseram procurar entender. Julio, e' mentira que fosse a busca do lucro, da grande manchete o motivo-condutor das abordagens dos media nacionais. Ha' emocao exacerbada, ha um esforco enormissimo de nao esclarecer as pessoas, busca-se fazer uma campanha pura de relacoes publicas. Ha outra$ grande$ motivacoe$ por detras deste trabalho baixo de relacoes publicas pro-Bachir e anti-EUA...do mesmo jeito que se condena os EUA considerando que a medida americana equivale a uma sentenca...tambem se avanca em julgamentos embargados de emocao ao nivel do paroxismo!
Muthisse, nenhuma busca da manchete pode desculpar tao baixos expedientes... Nao coloque os pasquins Escorpiao e Publico e o Zambeze no mesmo cesto de Savana, Domingo, Magazine e o Pais (estes quatro jornais tem directores editoriais ou editores adultos no Jornalismo e isso reflecte-se no nivel de responsabilidade e etica de suas publicacoes: Salomao Moyana, Jeremias Langa, Jorge Matine/Agusto de Carvalho e Fernando Goncalves/Francisco Carmona nao merecem ser metidos no mesmo cesto que Rui de Carvalho, Carlos Andre e Angelo Munguambe/Alvarito de Carvalho...

PC Mapengo disse...

Z
Percebo a ideia de agendas como dizes. Como diz Milton, há emocoes exacerbadas e uma pura campanha de relacoes publicas.
Julio, nao é uma questão de velocidade, é um esforco, pelo menos neste caso, de se cobrir as agendas pessoais que realmente ajudar a compreender o que realmente está a acontecer.

Júlio Mutisse disse...

Amigo Milton, eh sempre um prazer renovado trocar pontos de vista consigo.

Sugeriu no seu comentario 3 coisas:

1. - Qual a natureza do "Drug Kingpin Act" (Lei dos Baroes da Droga) dos americanos?
2.- Qual a logica do processo de Designacao Especial de Barão da Droga(SDNTK)?
3.- O que significa para Mocambique um cidadao/empresario nacional ser designado Barao da Droga pela Administracao Americana?"

A priori, salvo se algo me tiver escapado ja que estive fora algum tempo, me parece que muitos nao seguiram a sua sugestao, incluindo o grupo dos 4 que sugere. Alias, alguns deles deram eco a condenacao do Bachir pelos americanos, da forma bruta como os americanos nos transmitiram a informacao sem preocupacao de saber o que significava isso nos termos que nos sugere acima.

Concordo que nao podemos meter no mesmo saco Salomao Moyana, Jeremias Langa, Jorge Matine/Agusto de Carvalho e Fernando Goncalves/Francisco Carmona com outros pseudo-editores de alguns pseudo-jornais que circulam na praca, mas isso nao significa que a logica de funcionamento de alguns jornais dirigidos por alguns destes senhores nao seja a do lucro. Nao posso qualificar de outra forma a "emocao exacerbada, ha um esforco enormissimo de nao esclarecer as pessoas" que nao seja dentro desta logica.

Quando introduzes a ideia de que se "busca-se fazer uma campanha pura de relacoes publicas" e de que "Ha outra$ grande$ motivacoe$ por detras deste trabalho baixo de relacoes publicas pro-Bachir e anti-EUA...do mesmo jeito que se condena os EUA considerando que a medida americana equivale a uma sentenca...tambem se avanca em julgamentos embargados de emocao ao nivel do paroxismo!
Muthisse, nenhuma busca da manchete pode desculpar tao baixos expedientes," ASSUSTAS-ME. Para alem das questoes que coloco no meu primeiro comentario aqui, e as outras que ja te coloquei em muitos outros debates correlacionados, volto a perguntar-me que profissionais temos a ponto de se chafurdarem nas tais "outra$ grande$ motivacoe$ por detras deste trabalho baixo de relacoes publicas pro-Bachir e anti-EUA" que inclui alguns orgaos que nao sao os pasquins que nomeias acima.

Um abraco. Espero por ti.

Agentes de Segurança Socioeducativo de Minas Gerais,Brasil disse...

Nós Agentes de Segurança Socioeducativo de Minas Gerais, Brasil, estamos enviando a "Voz do Agente" no endereço www.agentesocioeducativo.blogspot.com que é nossa ferramenta de luta para valorização da categoria e efetivação dos direitos humanos no sistema socioeducativo.
Mandamos um forte abraço.