quarta-feira, 29 de julho de 2009

Apaixonante Profissão Ingrata

"Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade. Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte."

Gabriel Garcia Marquez


Matola, 28 de Julho de 2009

Carta para Shirangano

Pela crença, como eu, no jornalismo

Não sei porquê Shir, mas sempre que penso no jornalismo acho que a melhor definição seria mesmo “apaixonante profissão ingrata”, um título que não me lembro onde teria visto.

O jornalismo tem esse lado de donzela apetecível que nos fascina a distância. Percebes mano? É como o canto da “mãe de água” que nos é proibido de ouvir. Dizem as lendas que se passares por onde ela está a cantar deves tapar os ouvidos para não te enfeitiçares pelo seu canto.

É Shir, para quem tem o sangue do jornalismo a correr-lhe pelas veias como me parece acontecer contigo, dificilmente acreditará nas lendas. Mas há quem garante que a história da “mãe de água” é verdadeira e muitos homens se deixaram levar pelo seu belo canto e por isso que não temos nenhum testemunho porque nenhum deles voltou até hoje.

Mas dizem, mano, que é bom ser levado pela “mãe de água”. Pela sua forma angelical e macia própria dos oceanos, ninguém acredita que os homens sejam obrigados a permanecerem lá, eles é que se condenam a ficar lá e até há uns que acham que “para sempre é pouco tempo”.

É assim que se entra para o jornalismo. Não falo dos que entraram para o jornalismo porque não tinham profissão e desesperados, a única porta que se lhes abriu é simplesmente de uma redacção. Olha que esses são muitos, meu companheiro.

Falo daqueles que acordaram enfeitiçados por essa profissão e a assumem como uma verdadeira arte. Esses sentem uma verdadeira dor da paixão que o jornalismo prega.

Mas com, o tempo, o jornalismo nos prega uma partida. É preciso fugir dessa paixão e se ser jornalista.

É isso.

O momento da paixão é a fase sofridamente bonita. O dizer organizadas frases bonitas mesmo sem sentido; compreender o silêncio da noite; apreciar o brilho prateado da lua; sentir o gostoso aroma das flores; sorrir das parvoíces da sua companheira e rezar para que o tempo não se esgote.

É mano. Essa é a fase mais estúpida da paixão. O não sentir a dor e não se preocupar com o tempo, ficar a farejar flores e não dizer a tua companheira que está a falar coisas sem sentido, pode ser bonito mas não deixa de ser parvoíce.

Esse é o lado mau da paixão.

O jornalismo tem a sua manifestação de paixão. Todos quando entramos para esta profissão, convencidos pela velha teoria de sermos o “quarto poder”, pensamos que podemos mudar o mundo e não temos a humildade suficiente no mínimo dizermos que “podemos ajudar a mudar o mundo”.

Guardei um comentário teu num post de Ximbitana, já não me recordo de quê que se tratava. Me agradou a forma apaixonada como olhas para o jornalismo e concordo plenamente com a teoria de que o “jornalismo é irmão siamês da ética”.

Mas também me preocupam os lugares comuns e generalizações como “isso é reflexo da falta de ética no jornalismo que é infelizmente comum nos jornalistas moçambicanos.”

Eu tenho dificuldades, independentemente da profissão, de olhar para a “ética” fora do seu tempo. É claro que respeito é respeito. Mas podemos começar de entrevista de um chefe de polícia alemã que dizia “temos problemas de trabalhar com alguns estrangeiros. Quando falam comigo eu quero que me olhem nos olhos, mas para eles olhar nos olhos de alguém é falta de respeito e para mim é falta de respeito não me olhar nos olhos.”

Como podemos olhar para os médicos militares americanos que estão a ser criticados pelas diferentes ordens por obrigarem os presos iraquianos e afegãos a comerem? Eles, como militares devem obedecer ao código militar, isto é, ordem e dever patriótico, mas como médicos têm também sua deontologia.

O que quero dizer mano é que, sem esquecermos questões de dignidade humana, por mais que queiramos ser politicamente correctos, a ética vai ter que se encaixar dentro de toda uma série de exigência.

Na terça-feira, ontem, fiquei alguns minutos a ver em repetição na TIM, o programa de Milton Machel (como vai meu irmão?) que tinha Egídio Vaz como convidado.

Vaz olhou para o jornalismo em dois ângulos: o de órgão público e privado. É, quanto a mim Shir, nos órgão privados que devemos nos despir de paixões ou do romantismo jornalísticos e olharmos para um amor interesseiro. O que Vaz chamou de obrigação de fazer lucro.

Mas olha meu cara que fazer lucro não significa não respeitar toda uma série de regras de uma sociedade.

Mas aí está. Andamos sempre em corredores estreitos. Olhemos para o jornalismo como uma profissão em primeiro lugar com obrigação ao “serviço do público”. Independentemente de ser ou não um “órgão público”.

Então, o que seria servir o público?

De uma forma simples seria, claramente, deixar o público bem informado.

Mas deixar alguém bem informado o que deve ser dentro de uma sociedade em que se tem de ser politicamente correcto, onde as sensibilidades são diferentes?

O que quero dizer meu irmão é que o jornalismo com as novas exigências económicas, do mercado, de formação e conhecimento, terá que saber driblar os diferentes interesses, ser mais atento, conhecer as fronteiras entre a ética, a moral e obrigações profissionais.

Para isso meu irmão, o jornalista, mesmo com tanto amor que tem pela profissão, se concordarmos que possa existir amor sem paixão… estava a dizer que mesmo com tanto amor, deve ser menos apaixonado e mais lúcido.

Aquele abraço, desta minha Matola.

PC

terça-feira, 21 de julho de 2009

Direitos Humanos, Imprensa e Industria farmacêutica

Repensando HIV

A AIDS é muito mais que uma doença.

É um símbolo alternativo incessante

de repressão governamental,

um distintivo da desesperança e da desgraça;

um símbolo da tragédia da liberação;

uma indicação de que Deus não existe,

ou um símbolo de que Deus é cheio de ódio.

In Mentiras, Falsas Maldições & AIDS de Brian Doherty

Matola, 21 de Julho de 2009


Para Custódio Duma

Meu apóstolo dos direitos humanos

Meu mano Duma, na semana passada revisitei meu novo filme preferido, o documentário 20 Milhões por Detrás Dos Números. É, mano, o que mais me fascina nesse documentário feito por uma equipa de jovens moçambicanos da Rádio Transmundial/Capital, é que tudo relacionado com o HIV/SIDA é transformado em números.

E são números que contam mano. E são eles que deixam claro que desde a peste negra que o mundo não enfrentava uma grande catástrofe como a provocada pelo HIV/SIDA.

Te dizer simplesmente isto Duma seria simplesmente me posicionar no muro do lugar comum e repetir que, 9 anos depois, se concretiza a profecia do “ano 2000 é o fim do mundo.”

É verdade que HIV/SIDA já não é um problema dos outros como antes que não conhecíamos ninguém e hoje muitos olham ao espelho para verem um seropositivo. Então onde é que estamos a falhar?

Para mim Duma falhamos desde o princípio. Falhamos na identificação, falhamos nas campanhas, falhamos na abordagem e falhamos na catalogação da doença.

O que quero dizer Duma é que na questão de HIV nos apegamos sempre em uma única linha de orientação e ignoramos outras tantas, fazendo delas o nosso cavalo de batalha. Como é que são tratados os dissidentes das versões oficiais sobre HIV/SIDA como Thabo Mbeki?

Seria especular demais fazer uma ligação directa do desgaste político de Thabo e o seu cepticismo em relação a posição universal sobre o HIV/SIDA.

Para Benki não há uma ligação directa entre o vírus HIV e a SIDA. Esta insinuação punha em causa toda uma estrutura montada pelas grandes potências para o combate ao HIV.

O mais importante Duma é veres até que ponto os democratas despiram as máscaras e silenciaram violentamente Mbeki. A opinião dele foi completamente censurada dos grandes órgãos.

Segundo Gevisser quando perguntou qual foi a maior mágoa de Mbeki enquanto chefe de Estado, ele respondeu ter sido quando foi “persuadido em 2002 por membros do governo e do seu próprio partido a não expressar abertamente os seus pontos de vista sobre o HIV/SIDA.”

Não é minha intenção, mano, discutir contigo a questão de liberdade de opinião, de expressão ou de tantas outras coisas que, oficialmente, são nossas liberdades.

Olha que o que Mbeki defendeu durante o seu mandato não era nada de novo. Embora a imprensa, principalmente a ocidental tenha aparecido com grandes destaques a apontar para aquela posição como exclusiva do presidente sul-africano e a sua ministra de saúde, a negação do que chamam de posição “científica” já vem sendo feita quando a ANC não passava de um movimento rebelde.

Robert Root-Bernstein em Rethinking AIDS procurou mostrar o desmoronamento das abordagens científicas e de saúde pública americana. Mas na lista dos dissidentes podemos destacar o Biólogo Molecular Peter Duesberg, que em Março de 1987, na revista científica Câncer Research, se deu ao luxo de desafiar a afirmação “cientifica” de que o HIV causa a SIDA. Para o castigar, o Instituto Nacional de Saúde o notificou para que ficasse a saber que em Outubro de 1990 o seu “Outstanding Investigator Grant” (título importante dado a cientistas também importantes), não seria mais renovado depois de 1993. Neste grupo também podemos encontrar nomes como Charles A. Thomas, um Professor Bioquímico de Harvard, que pertence ao grupo de retrovirologistas, epidimiologistas e imunologistas que questionam o dogma do HIV.

No entanto meu irmão, como Thabo Mbeki, estes grupos todos se esquecem que há uma grande indústria farmacêutica por detrás da questão de HIV/SIDA e qualquer questionamento a posições oficiais pode pôr em causa toda uma indústria que nos anos 1970/80 estava em crise e que HIV veio salvar.

Podemos recorrer a uma ideia simples para procurarmos compreender a posição política por detrás de toda esta máquina mortífera de fazer dinheiro que é a SIDA.

Quando a poderosa América quase que se vergava sob o peso de uma doença que matava gente de entre os 20 e 40 anos, no dia 23 de Abril de 1984, Magaret Heckler, Secretária de Saúde e Serviços Humanos do Governo de Ronald Reagan, como escreve Brian Doherty “orgulhosamente anunciou que o médico americano, Dr. Robert Gallo, tinha descoberto o vírus que causava a SIDA: um retrovírus, supostamente isolado e tido como o causador de Imunodeficiência Humana.”

No entanto não demorou o aparecimento de provas indicando que o vírus havia sido descoberto antes em Paris por Luc Montagnier que o mandou a Gallo para comparar com o vírus que dizia ter descoberto.

Para evitar um escândalo, já que o governo americano correu para dispensar biliões de dólares na tese de Gallo de que o HIV era o única causador de SIDA, a saída foi se assumir uma co-autoria sem antes se confirmar essa ligação directa que gente como Mbeki procura negar ou reivindicar outras pistas.

O triste papel de parvo que Mbeki e outros tantos dissidentes desempenharam foi possível por não terem avaliado claramente o impacto dos seus discursos perante a indústria farmacêutica que se apegou na teoria de Gallo para se salvar da catástrofe. Ou talvez Mbeki acreditou que a sua posição de chefe de Estado o tornava imune ao poder das farmacêuticas.

Apoiada na imprensa, a indústria farmacêutica pegou no Mbeki e o esfregou no chão lhe atirando com as culpas de “maior responsável” pelos elevados índices de HIV/SIDA no seu país.

A outra coisa que Mbeki, a sua ministra de saúde, Tshabalala-Msimang, e outros dissidentes se esqueceram, como escreve Brian Doherty, é que “o século XX caracterizou-se por três desenvolvimentos de grande importância política:

O crescimento da democracia; o crescimento do poder corporativo, e o crescimento da propaganda como meio de proteger o poder corporativo da democracia”. Eles ignoraram isto para o caso de saúde.

Mbeki não só ignorou a capacidade das grandes indústrias influenciarem os media como também pegou pesado quando na sua biografia disse que “os cientistas da SIDA são comparáveis aos médicos dos campos de concentração nazis.”

Mas não é só a indústria farmacêutica que encontrou no Sida uma salvação. Muitos outros grupos recorreram a esta pandemia para construírem as suas posições sociais e económicas e o resultado foi o surgimento de senhores ilustres e a propagação do HIV/SIDA.

É importante ver que nos princípios, mano, a questão de HIV/SIDA era da responsabilidade da medicina e da biologia. Foi preciso uma reivindicação dos cientistas sociais para que fosse visto como uma questão saúde pública ou social.

É nesse contexto que entra a indústria de publicidade e outros grupos corporativos. E pergunto até que ponto as organizações dos direitos humanos prestaram atenção a campanha contra sida?

As primeiras campanhas da doença faziam uma ligação directa da morte e HIV/SIDA. “SIDA mata malume”.

Era como se não nos deixassem nenhuma chance e que logo que contraíssemos o vírus a única saída era encomendar um caixão.

A ideia de terror esteve por detrás de campanha de salvação da indústria farmacéutica. Heinrich Kremer procura uma justificação simples para essa ligação:

“É evidente que se não tivéssemos um vírus para temer, as pessoas teriam começado a pensar na catástrofe farmacêutica e isso, poderia ter consequências imprevisíveis.”

Se prestares atenção vais ver meu irmão que as campanhas contra sida foram com o tempo se baseando mais na promoção do preservativo que nas ideias morais de abstinência e fidelidade.

A promoção do preservativo parte do princípio que todos são propensos a sexo e não vale a pena nos esforçarmos para mudar isso, tudo na gasta ideia de modernismo.

Quem quer ser atrasado meu irmão?

Mas nos esquecemos que a promoção de sexo está, até certo ponto, directamente ligado a promoção do preservativo. Começamos a assumir que todos, até crianças de 13 anos são sexualmente activas. No lugar de nos esforçarmos para mudar nos conformamos: “o mundo é assim, não podemos fazer nada”.

Ou como dizia uma freira brasileira “não digo para fazer mas se fizer use camisinha.”

E a crise começa por aí.

A minha amiga Tomásia fez um trabalho de licenciatura sobre as campanhas de combate ao HIV com outdoors. Ela testemunha o choque que muitos tiveram nos distritos em que ela trabalhou por verem jovens casais em poses sensuais “Nós sabemos o que se passa na tua cabeça.”

Segundo Tomásia a mensagem desejada não passava porque os habitantes desses distritos o que viam naquelas campanhas eram simplesmente poses pornográficas que punham em causa o seu modo de vida, desviavam as suas filhas e abalavam toda a educação de anos que pretendiam transmitir para seus filhos.

Esse é o erro de campanhas generalistas que podem servir bem na cidade de Maputo e não servirem nesta minha Matola.

Posso pegar num exemplo que passava nas nossas TVs, de uma menina adolescente que diz a mãe que vai sair com João. No lugar de – como faria dona Paula minha mãe, naquela idade – dizer não “volte tarde”, a mãe dela pergunta “levaste o preservativo?”

Olha Duma, a mãe parte do princípio que a filha ao sair com o João vai cair na primeira cama que encontrarem. Pode ser uma forma de combater a propagação, mas é mais uma forma de vender o preservativo promovendo a prática de sexo, pois os números continuam a elevar-se.

O que seria de preservativo sem relações sexuais?

O risco de “façam mas com preservativo” em detrimento de “adie o sexo para mais tarde” tem seu impacto nos números.

Nós, mano Duma, sabemos. Já ouvimos ou já dissemos que “o preservativo furou-se numa altura que não dava para parar”.

Qual é a altura que não dava para parar?

Se pessoas crescida não “dão para parar” o que acontece com um adolescente de 12/13 anos?

Olha mano, muitas vezes, como escreve Brian Doherty “o senso comum diz: Nunca acharão a cura do câncer por causa do montante de dinheiro envolvido. Não sei se isso é verdade para o câncer, mas é para a SIDA.”

Sendo assim, a questão de SIDA – os doentes, os panfletos, camisetes distribuídas, retrovirais, grupos patrocinados, pessoas atingidas pelas campanhas – não passa de números. Números do que se ganha, números que se perdem, número dos trabalhadores que não trabalham, número dos contaminados, números das pessoas atingidas pelas campanhas, números que reduziram ou aumentaram.

Nesta situação o que se tem feito no combate a sida é pegar-se numa única vertente de cura – que favorece os números; uma única vertente de campanha – que ajuda a contabilizar os números; uma única forma de olhar as vitimas – que são números dos contaminado e que já consomem os AZT.

Não há muita preocupação com o que está por trás dos números e sendo assim não se pode falar dos direitos humanos.

Como podes falar dos direitos humanos dos “sem rostos” ou dos números.

Como podes falar dos direitos humanos de pessoas que foram roubadas o lado humano?

Aquele abraço, irmão.

PC

terça-feira, 7 de julho de 2009

A carta Que Nunca te Quis Escrever

Os ateus fazem a vontade de Deus por não acreditarem nele.

Se Deus quisesse que acreditássemosnele faria com que acreditássemos.

Quem sabe se o próprio Deus não é ateu

Citação reproduzida mentalmente, ouvida na RDP-Africa

no lançamento do livro de Eduardo Agualuza


Para Ilídio Sitoi

Pelas conversas que não teremos - Matola 07 de Julho de 2009

Irmano, nunca te quis escrever esta carta. Aliás, esta é a carta que nunca quis escrever para alguém e que nunca esperei escrever.

Repete-se mentalmente a música de Paulo Flores “sonhei te ver lá em casa a sorrir.” Entro para a redacção onde por várias vezes trocamos ideias e que nem por isso tínhamos, ainda bem, os mesmos pontos de vista, e sei que não te posso ver mais cá a sorrires.

É estranho, acredites Ilídio, escrever uma carta para alguém que sei que nunca a irá ler. É estranho estar aqui a tentar recriar momentos de uma curta história de dois jornalistas que o destino os pregou uma partida. Falo de tu e eu.

Tu, porque nunca mais irás escrever enquanto o desejavas tanto. Eu porque terei de continuar escrever mas sem a mesma ilusão que tu tinhas. Acho que é isso que me fará falta companheiro: a tua ilusão.

Estavas ainda na idade de ilusões. Acreditavas, como eu, que o jornalismo era capaz de mudar o mundo. Mas qual jornalismo? Nós os dois sabíamos que não era este o jornalismo que queríamos fazer. Nós os dois sabíamos que o nosso jornalismo podia ainda ser melhor. Sabíamos que podíamos fazer melhor. Era essa a ilusão que te acompanhava, acreditar num jornalismo livre de interesses que se baseava somente na verdade.

Te perguntei um dia o que era a verdade. Me vieste com uma série de filosofia que não compreendi e esperava que um dia voltássemos a falar da tua ideia da verdade. Mas hoje sei que não falaremos mais.

Há muita coisa que não falaremos mais meu irmão.

É estranho estar aqui a escrever uma carta para alguém que nunca a irá ler.

Eu sei o que dirias, companheiro. Sei que irias aproximar a tua cara para a minha e perguntar atrevidamente: “ouve lá, por que é que escreve?”

Não te daria a resposta porque para ti as coisas tinham de ser claras como a vez que perguntaste ao nosso fotografo Rogério porquê algumas das fotos que tu fizeste estavam boas e outras tantas más.

“Foi por sorte”, respondeu ele com sua única simpatia.

“Não me fale de sorte, ou sei ou não sei tirar fotografia.” Respondeste.

Nunca te perguntei se acreditavas em sorte. Não havia pressa. Ou pelo menos eu assim achava. Nos sentaríamos num bar qualquer, pediríamos uma boa cerveja e discutiríamos sobre a sorte. Tu acreditavas em sorte?

Nunca me irás responder

É da religião que mais te queria falar nesta carta. Ou melhor, já tínhamos discutido sobre a tua desilusão em relação a igreja e me desta a ideia de escrever uma carta sobre o assunto.

Uma vez na redacção me falaste que não sentes mais na igreja a mesma apaixonante promessa de “céu” e “paraíso” que te cativava na infância.

Me interessou essa tua observação, primeiro por seres de uma família religiosa criado com base na bíblia, em nome do Pai e nos mais nobres princípios religiosos. Para ti Ilídio, “a igreja tinha mudado.”

Mesmo com esse ponto de vista não deixavas de ir a igreja. Eu sempre que te ligava e me dizias que estava na igreja perguntava como é que conseguimos ir para um lugar onde não mais nos apaixonava?

Para ti era fácil atribuir essa sua frequência a igreja a mesma ilusão dos dias melhores que tinhas pelo jornalismo.

Mas para mim não era a igreja que havia mudado, mas sim tu. A igreja se guia pelos dogmas e as mudanças que ocorrem nela não são revolucionárias. Acho que é a instituição com mais resistência às mudanças. Elas camaleões e resistem o máximo que podem e não podiam, em 22 anos de vida que tu tinhas terem ocorrido várias mudanças na igreja.

O que tem acontecido é a mudança das pessoas que assumem os destinos da igreja. Te disse isso mano. Muitas das pessoas que assumem os destinos da igreja o fazem por interesses próprios e outros chegam-se assumir como senhores absolutos das mesmas.

O papa João Paulo I, que teve o papado mais curto da história do Vaticano, apenas 33 dias, defendia uma igreja pobre ao serviço dos pobres.

Já imaginaste mano, a riqueza toda que a Igreja Católica construiu com base em negócios feito com base na ambição reservada aos meros mortais, para se acabar pela vontade de um só homem de origens pobres que nunca sonhou ser papa? Estava escrito que Albino Luciano, ou Papa João Paulo I não sobreviveria.

Estava a dizer, irmano que não foi a igreja que mudou mas sim as pessoas que assumiram os destinos da igreja. Ela ainda usa os mesmos livros, ainda nos dão o céu em troca de fazermos o moralmente correcto, ainda nos garante o amor de Deus pai todo o poderoso, repete-nos o sacrifício do seu filho Jesus Cristo crucificado pelos nossos pecados e nos garantem o baptismo como caminho para a nossa purificação.

Também, tu podes ter mudado, e não a igreja. Pelos livros que leste, pelos lugares que foste, pelas pessoas com quem conversaste e pelos amores que tiveste. Tu podes ter mudado e a igreja não acompanhou os seus anseios. Mas isso é o que estava a dizer. A Igreja em si, é uma instituição estática.

Gostava de voltar a discutir isto contigo mano, mas sei que nunca mais irei o fazer.

Sei também que o sonho de quando fores mais velho te refugiares na tua quinta o mais longe possível da cidade para fazeres análises desta pátria amada, nunca mais se irá concretizar.

Mas fico aqui a me perguntar o que irias escrever. Que ideias tinhas sobre este país?

Nunca mais companheiro

Esta é a carta que nunca te quis escrever.

Agora tenho de parar...

... está na hora do... teu funeral.