"Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade. Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte."
Gabriel Garcia Marquez
Matola, 28 de Julho de 2009
Pela crença, como eu, no jornalismo
O jornalismo tem esse lado de donzela apetecível que nos fascina a distância. Percebes mano? É como o canto da “mãe de água” que nos é proibido de ouvir. Dizem as lendas que se passares por onde ela está a cantar deves tapar os ouvidos para não te enfeitiçares pelo seu canto.
É Shir, para quem tem o sangue do jornalismo a correr-lhe pelas veias como me parece acontecer contigo, dificilmente acreditará nas lendas. Mas há quem garante que a história da “mãe de água” é verdadeira e muitos homens se deixaram levar pelo seu belo canto e por isso que não temos nenhum testemunho porque nenhum deles voltou até hoje.
Mas dizem, mano, que é bom ser levado pela “mãe de água”. Pela sua forma angelical e macia própria dos oceanos, ninguém acredita que os homens sejam obrigados a permanecerem lá, eles é que se condenam a ficar lá e até há uns que acham que “para sempre é pouco tempo”.
É assim que se entra para o jornalismo. Não falo dos que entraram para o jornalismo porque não tinham profissão e desesperados, a única porta que se lhes abriu é simplesmente de uma redacção. Olha que esses são muitos, meu companheiro.
Falo daqueles que acordaram enfeitiçados por essa profissão e a assumem como uma verdadeira arte. Esses sentem uma verdadeira dor da paixão que o jornalismo prega.
Mas com, o tempo, o jornalismo nos prega uma partida. É preciso fugir dessa paixão e se ser jornalista.
É isso.
O momento da paixão é a fase sofridamente bonita. O dizer organizadas frases bonitas mesmo sem sentido; compreender o silêncio da noite; apreciar o brilho prateado da lua; sentir o gostoso aroma das flores; sorrir das parvoíces da sua companheira e rezar para que o tempo não se esgote.
É mano. Essa é a fase mais estúpida da paixão. O não sentir a dor e não se preocupar com o tempo, ficar a farejar flores e não dizer a tua companheira que está a falar coisas sem sentido, pode ser bonito mas não deixa de ser parvoíce.
Esse é o lado mau da paixão.
O jornalismo tem a sua manifestação de paixão. Todos quando entramos para esta profissão, convencidos pela velha teoria de sermos o “quarto poder”, pensamos que podemos mudar o mundo e não temos a humildade suficiente no mínimo dizermos que “podemos ajudar a mudar o mundo”.
Guardei um comentário teu num post de Ximbitana, já não me recordo de quê que se tratava. Me agradou a forma apaixonada como olhas para o jornalismo e concordo plenamente com a teoria de que o “jornalismo é irmão siamês da ética”.
Mas também me preocupam os lugares comuns e generalizações como “isso é reflexo da falta de ética no jornalismo que é infelizmente comum nos jornalistas moçambicanos.”
Eu tenho dificuldades, independentemente da profissão, de olhar para a “ética” fora do seu tempo. É claro que respeito é respeito. Mas podemos começar de entrevista de um chefe de polícia alemã que dizia “temos problemas de trabalhar com alguns estrangeiros. Quando falam comigo eu quero que me olhem nos olhos, mas para eles olhar nos olhos de alguém é falta de respeito e para mim é falta de respeito não me olhar nos olhos.”
Como podemos olhar para os médicos militares americanos que estão a ser criticados pelas diferentes ordens por obrigarem os presos iraquianos e afegãos a comerem? Eles, como militares devem obedecer ao código militar, isto é, ordem e dever patriótico, mas como médicos têm também sua deontologia.
O que quero dizer mano é que, sem esquecermos questões de dignidade humana, por mais que queiramos ser politicamente correctos, a ética vai ter que se encaixar dentro de toda uma série de exigência.
Na terça-feira, ontem, fiquei alguns minutos a ver em repetição na TIM, o programa de Milton Machel (como vai meu irmão?) que tinha Egídio Vaz como convidado.
Vaz olhou para o jornalismo em dois ângulos: o de órgão público e privado. É, quanto a mim Shir, nos órgão privados que devemos nos despir de paixões ou do romantismo jornalísticos e olharmos para um amor interesseiro. O que Vaz chamou de obrigação de fazer lucro.
Mas olha meu cara que fazer lucro não significa não respeitar toda uma série de regras de uma sociedade.
Mas aí está. Andamos sempre em corredores estreitos. Olhemos para o jornalismo como uma profissão em primeiro lugar com obrigação ao “serviço do público”. Independentemente de ser ou não um “órgão público”.
Então, o que seria servir o público?
De uma forma simples seria, claramente, deixar o público bem informado.
Mas deixar alguém bem informado o que deve ser dentro de uma sociedade em que se tem de ser politicamente correcto, onde as sensibilidades são diferentes?
O que quero dizer meu irmão é que o jornalismo com as novas exigências económicas, do mercado, de formação e conhecimento, terá que saber driblar os diferentes interesses, ser mais atento, conhecer as fronteiras entre a ética, a moral e obrigações profissionais.
Para isso meu irmão, o jornalista, mesmo com tanto amor que tem pela profissão, se concordarmos que possa existir amor sem paixão… estava a dizer que mesmo com tanto amor, deve ser menos apaixonado e mais lúcido.