“Tigre não precisa dizer que é tigre
para que as pessoas saibam que é tigre.”
Comentário feito por meu velho amigo
Euclides Gonçalves numa
das tantas conversas
que tivemos na UEM
Matola, aos 17 de Junho de 2009
Amigo Amosse Macamo.
Meu companheiro,
Desta Matola das minhas paixões, te escrevo esta carta para te falar da música, aliás das escolhas musicais.
Estava na correria do fecho do jornal onde trabalho. Sabes Amosse, para mim o momento do fecho cria um sentimento duplo, uma espécie de amor e ódio entre o stress e a esperança do tempo passar e depois, na hora do balanço, sorrirmos por tudo ter dado certo. É uma coisa estranha, pelo menos para mim. Ainda não sei se gosto ou não desse momento. Também nunca me questionei de verdade. Mas essa é uma outra história, mano.
Estava nesse ambiente quando a minha colega Arsénia Sithoye me entregou um fax com a lista dos nomeados para Mozambique Music Award, MMA. Ela depois fez um comentário, acho que no fundo é uma provocação já que ela, como tantos outros amigos meus, conhece as minhas quedas musicais. Dizia que Arsénia me entregou fax comentando que faltava ali o nome da Mingas Jamisse.
Juro Amosse, que não me surpreendi. Penso que embora esperasse ver na lista o nome daquela que é para mim uma das maiores artistas, não digo cantora porque estou a falar de arte, desta minha pátria amada, as nomeações assim como as vitórias já não me surpreendem.
Não falo aqui da justiça porque me refiro a uma competição que depende mais de juízos de valor, sentimentos e afinidades. Quando é assim não acho justo falar-se de… justiça. Para mim, a única competição justa é o atletismo em que a condição é fugires o mais distante possível do adversário.
Também, Amosse, não conhecia os critérios das nomeações para além de se dizer que “se pretende reconhecer as melhores produções de
Nos finais de ano passado fui ver um espectáculo 5 estrelas de Mart´nalia, a filha de Martinho da Vila. No dia seguinte escrevi para Ouri Pota que há músicos moçambicanos que já não deviam abrir espectáculo de nenhum outro grande músico estrangeiro porque são simplesmente bons.
Eu não conhecia Mart’nalia mas gostei da música dela que ainda hoje o seu disco Madrugada, é dos meus preferidos. É como se quizesse golozelar o tempo para recuperar o que se foi a ter ouvido. É uma espécie de desconcentração permanente que nos faz viajar entre momentos da ausência. Compreendes Amosse? – Nem eu compreendo, mas é assim mesmo que consigo caracterizar a forma como foi construído Madrugada.
Olha que mesmo com esta leveza toda que se pode também transferir para o seu espectáculo, pelo menos o que teve lugar aqui em Maputo, ainda acho que uma artista como Mingas não devia abrir espectáculo de Mart’Nália. Falo só em termos artísticos e não de outros itens ou necessidades que se me podem atirar na cara que tem feito de nossas estrelas meros aperitivos.
Para mim ela, como artista tem que ser figura de cartaz e naquele espectáculo ela mostrou isso, foi como se o espectáculo tivesse começado do fim. Penso que esteve por 30 minutos
Voltamos aqui às produções. Nesse espectáculo Mingas trouxe um tema novo que apesar de ter a sua verdadeira marca mostra o quanto ela não sabe parar no tempo.
A escolha dos nomeados para MMA, segundo o comunicado que recebi foi feita por um júri composto por “músicos, jornalistas culturais e apreciadores de música.”
Fazendo fé a Ras Rony, um dos músicos nomeados, houve mais “inscrição” do que “nomeação”. Diz ele que a informação circulou mais entre amigos e “eu me inscrevi para o concurso na última hora porque a informação chegou-me tarde.”
E outra coisa que eu acho engraçado é a mistura meu companheiro. No Jazz Festival levantou-se o debate sobre a presença de Lizha James e Stewart Sukuma. Ras Tony também questiona a presença de Azagaia na categoria de Reggae.
Olha Amosse, ainda achas que estas coisas devem me surpreender? No Jazz festival tínhamos muitos moçambicanos de Jazz como é que agora surge simplesmente um nome a concorrer para essa categoria? Será que o júri achou que todos os outros não têm qualidade ou só Dino Miranda é que conseguiu se inscrever a tempo?
Gosto deste tipo de parada de sucesso. Antes usava meu tempo para, apaixonadamente acompanhar concursos deste tipo porque pensava que tivessem algo mesmo de arte. Venciam as verdadeiras estrelas, algumas até com as quais nós não concordávamos mas que reconhecia-se nelas um verdadeiro valor.
Agora, quando me aparece alguém a dizer que ganhou um prémio de melhor vídeo dou-lhe parabéns pelo valor que entra no seu cofre não exactamente pelo seu lado artístico. Uma cantora, que não conheço o nome, apareceu num dos espaços de promoção do MMA a dizer “agora vamos ter que trabalhar porque já temos um concurso de verdade. Chega de fazer uma música boa e outras tantas para encher o álbum.”
Que verdade!
Te escrevia para falar desta minha incapacidade de me surpreender com o que acontece na música, principalmente nos concursos que me parecem mais “plástica” do que uma verdadeira arte.
Estamos na era do “show” e não da arte. Sendo assim meu companheiro, não me posso dar ao luxo de me surpreender.
Aquele abraço
PC