quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Uma Noite com Maria Teresa Dzukuta

A maior covardia de um homem

é despertar o amor de uma mulher

sem ter a intenção de amá-la.

Bob Marley

Matola, 17 de Fevereiro de 2010

Querida amada,

O 14 de Fevereiro me deprime!

Me pedes a verdade como se eu a te pudesse dizer.

Podia deixar as horas correrem, te falar do pânico que se reinstala sempre que os telejornais recuperam as notícias de polícias assassinados. Não importam as causas, diria a minha mãe com o rosto espantado e as mãos na cabeça como se a temer pela sua própria segurança: “se matam polícias o que será de nós?”

Mas não é isso que te preocupa.

O Estado pode ser assassinado isso não te diz nada. Me olhas como se fosse eu culpado pela morte de Michael Jackson e me acusas de ter assassinado o teu estado emocional. Me perguntas sem nenhuma compaixão pelo desgaste físico e financeiro que passei na noite de 14 de Fevereiro. A tua única preocupação é saber onde estava, com quem a fazer o quê e como!

Sinto egoísmo da sua parte. É como se eu fosse tua propriedade privada, teu homem de estimação que as outras não podem tocar nem por um segundo.

Me desgosta o teu interrogatório. Não porque não o podes fazer, mas porque não te posso responder.

Te digo que fui aos copos com os meus novos amigos de infância e nos perdemos no tempo falando daquilo que podia ter sido a nossa história se tivéssemos nascido e crescido no mesmo bairro.

Me olhas com o mesmo desprezo de uma serpente desesperada. “Onde estiveste?”

Não te posso dizer! Como dizer?

Uso a arma dos fracos para poder me defender dos teus ataques fulminantes. Grito e exponho minha força física para me acobardar, e te lembro que estou cansado!

Me perdi na noite deste 14 de Fevereiro num bar da esquina onde Maria Teresa Dzukuta ao ritmo de cada copo de cerveja, pisca o olho para quem paga mais como nos concursos das operadoras celulares, nos quais que ganha quem mais mensagens enviar.

Lá, como diria Manuel Bandeira, mesmo não sendo Pasárgada, há muitas prostitutas bonitas para namorar. Deixam-se aos montes e fazem a mesma promoção de tomate no mercado. Prometem bassela e noite inesquecível.

Olha meu amor. Consegues imaginar como ficam os lábios prostitutos de Maria Teresa quando te promete uma noite inesquecível?

Me perdi nessa sensualidade selvagem e as minhas mãos soltaram-se para deslizarem nos meus bolsos e tirarem as notas enquanto gritavam em voz alta para todos me ouvirem dizer para Paito, servente do bar, “fique com os trocos”!

Maria Teresa dzukutava para mim, mesmo quando aparecia por engano uma música de Aretha-Franklin. É como se a sua existência existisse apenas de cintura para baixo. E é por ai onde também me fixava.

É verdade amor, fugi dos jantares a dois a luz de vela numa mesa onde o som chega de fininho, como se estivéssemos nos tempos em que devíamos ter medo que alguém se apercebesse que ouvíamos músicas revolucionárias.

Dizes que é romântico?

Romântico?!

É tedioso meu amor!

Por isso que os 14 de Fevereiro me deprimem.

Lá na Maria Teresa falamos em voz alta e soltamos palavrões sem nenhuma preocupação em sermos educados. Dançamos sem nos preocuparmos em acertar o passo, bebemos sem nos preocuparmos com a quantidade, fazemos amor sem nos preocuparmos com preliminares.

Somos nós mesmos, percebes meu amor?

Mas como te dizer isso?!

Me deixe ver telejornal.

Dois polícias são assassinados. Clic!

Bairros da Matola estão há meses sem água. Clic!

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Esquecer Matola, ouvir T’Yana para Lembrar Samora e olhar Guebuza

Um homem que quer reger a orquestra

precisa dar as costas à plateia.

James Cook


Para Jorge Saiete, Lazaro Bamo

e o recém admitido ao

triste clube matolense

Júlio Mutisse


Desliguei-me da Matola que tanto amo.

Os jornais repetem as notícias do lixo e os residentes de Fomento saem a rua para reclamar a falta de limpeza “enquanto pagamos taxa de lixo”. O presidente do Município espreita para a capital e nos apazigua “se até Maputo tem lixo”. Clic!

Comemoravam-se 38 anos de Matola como cidade. Nessa noite as estrelas foram ofuscadas pelo fogo de artifício.

Viva Matola!

Esqueço Matola e seu lixo, sua falta de água, promessas não cumpridas de estradas e eternos seminários sobre plano de estrutura urbana!

Viva Matola!

Mas me esqueci da Matola, da revolta populacional e comentadores das TV’s que põem em causa a competência do seu presidente que sempre acreditou na “Matola Primeiro.” Clic!

Me esqueci!

Me tranquei no quarto e recuperei um disco de T’Yana exumado do baú das memórias para fazer um back ao passado de um povo que levantava o nariz e dizia aos governos racistas de Ian Smith e Pieter Botha que “somos pobres com orgulho”.

T’Yana nos leva de volta a um país que era liderado por um homem de causas, que preferiu trancar as suas fronteiras e punha o povo a cantar “Smith wa lhanya” algo como “Smith é louco”.

Eram os tempos que brincávamos djiplokotsos a Kapango na Escola Primária de T-3 e festejamos a distribuição de leite em pó nos intervalos depois de longas filas para vacinação. Nessa altura, na curiosidade de ver o Presidente nos juntamos nas machambas 16 de Junho pertencente a Cooperativa das Zonas Verdes para o ouvirmos gritar “Independência ou Morte, Venceremos!”

É neste contexto que aprece T’Yana inspirado no discurso de Samora Machel depois do comando boer, no dia 30 de Janeiro de 1981, ter invadido Moçambique para assassinar militantes do ANC.

O tom de desafio de Samora Machel e interpretação perfeita de Yana, é a demonstração de segurança de um país acabado de sair de uma luta pela independência frente a um exercito colonial violento, que não aceita dobrar-se perante uma potencia regional que era a África do Sul do Apartheid.

Que venham, estamos prontos para os receber com uma sandes de marreta, um copo de creolina, um rebuçado de pregos, um bolo de granada e para fazer digestão um coro de armas viradas para eles.

Esta é a forma como um país de terceiro mundo, considerado na altura, muito mais do que hoje, mais pobre do mundo.

Mais do que as consequências que o país passaria ou que passou, se olharmos para toda a sabotagem que o país viveu, o mais importante era passar para os nossos inimigos a mensagem de um país que não verga, um país que poeticamente se definiria “pobre mas orgulhoso”!

Hoje podemos encontrar o mesmo discurso em Armando Guebuza. É claro que já não se coloca o verso de “pobre orgulhoso” mas o de auto estima.

Os inimigos de hoje são outros, como o definiu Marcelino dos Santos num seminário organizado pela Coopal_ Jornalistas Culturais, onde Armando Guebuza era o principal orador, antes da sua eleição para o primeiro mandato.

Os inimigos são outros, dizia o libertador. Armando Guebuza olha para a pobreza absoluta que se pode vencer com trabalho e auto estima. Para Graça Machel, na abertura do ano lectivo d’A Politécnica, é importante que o moçambicano em qualquer parte do mundo se sinta moçambicano mas parte deste mundo.

Mas voltamos ao discurso combativo de Samora em Yana. Se Graça Machel hoje fala desse orgulho de ser moçambicano, podemos recuar para “Daqui Não Saio Daqui Ninguém Me Tira”.

Eu aqui nasci e é aqui que vou morrer.

Se alguém vier para me tirar eu não vou sai.

Nunca deixarei que alguém me roube esta terra.

Venha de onde vier, Independência ou Morte daqui não saio.

Mais uma vez encontra-se aqui no verso de T’Yana o tom desafiador samoriano. A ideia de terra que nos vê nascer e que suporta os nossos mortos. O discurso é típico do momento em que o país vivia e o Marechal precisava fazer acreditar ao seu povo que a defesa da pátria valia todo o nosso sangue. Foi assim que se ganhou a “liberdade” e é por amor a terra que hoje podemos nos entregar, diria Guebuza, no combate a corrupção e renovação de liberdades individuais se quisermos realmente combater a pobreza.

Podemos falar de unidade em as tuas dores mas as minhas dores vão estrangular a opressão. Penso que esta é das músicas mais significativas do professor Yana. A ideia da unidade para se atingir um bem comum. No entanto a unidade não pode significar todos nós estarmos a fazer a mesma coisa. É estarmos a contribuir a nossa maneira para um mesmo fim. Guebuza recupera essa ideia de unidade primeiro com indicação de 2009 como ano Eduardo Mondlane e depois no discurso da sua investidura onde fala de uma colaboração entre a geração 25 de Junho, a geração 8 de Março e a geração de Viragem.

Os teus olhos mais os meus olhos vão falando da revolta.

A tua cicatriz mais a minha cicatriz vão lembrando o chicote.

As minhas mãos mais as tuas mãos vão pegando em armas

A minha força mais a tua força vão vencer o imperialismo

O meu sangue mais o teu sangue vão regar a vitória.

É claro que não vencemos o imperialismo mas estamos a construir um país enquanto a nossa Matola assiste. Voltei a Matola porque acabou a música e dá para olhar que o seu presidente quer reger uma orquestra virado para o público. É por essa razão que está preocupado com os seminários para aparecer sempre em público através dos órgãos de informação.

Aquele abraço

PS: Não consigo fazer o upload da música aqui. Quem a quiser que me dê um toque por email.

PC