quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Comentador Das Bananas

Comentador Das Bananas

“O conhecimento não se adquire

por numerosas narrativas,

mas seguindo o conhecimento

e usando-o.”

In As Noites das Mil e Uma Noites

do prémio Nobel de Literatura

Naguib Mahfuz

Desta minha Matola

Para Virgílio Sitole,

Esse filósofo da dança

que aprendeu a coreografar a vida


Meu companheiro, não fui ver teu bailado como havia prometido. Sabes qual é a minha opinião sobre a dança contemporânea. Acho que a minha sensibilidade não é civilizada para a dança contemporânea, ainda não me emancipei do xigubo já que me parece haver uma resistência dos nossos coreógrafos em contemporanizar as nossas danças tradicionais. Não é possível mano?

Mas um dia falamos disso.

Cá desta pátria do Índico, sabes companheiro, estamos a viver um forte momento eleitoral. Penso que dessa China onde te encontras escapas aos efeitos colaterais desta campanha desenfreada.

Mas não é a campanha meu companheiro que me deixa preocupado. Não são os discursos fervorosos dos políticos com as suas promessas utópicas que me desesperam. Não mano. As loucas promessas de bem-estar “se ganhar as eleições” é o papel dos políticos. Quando presto atenção a uma campanha eleitoral tenho de estar preparado para ouvir promessa de “escola a dois metros da minha casa” ou de “oferta de 10 hectares de terra a cada moçambicano”.

O maior barulho é sobre a exclusão de uma série de partidos que se candidatavam para cadeiras de poder. É compreensível a raiva de João Massango quando decreta “o luto nacional” depois de quebrar-se o último galho de esperança que era o Conselho Constitucional.

Mas o que não dá para perceber são as visões unilaterais dos nossos comentaristas e jornalistas que se despem da “imparcialidade” e escolhem alvos a abater. Sei que me vais questionar acerca da imparcialidade pois já falamos algumas vezes sobre isso. E nessas nossas conversas já o assumi que a partir do momento que vivemos num meio nos deixamos envolver em companhias, consumimos o que a sociedade nos oferece, a nossa capacidade de ser imparcial enfraquece.

Mesmo assim mano, temos a obrigação de nos esforçar em direcção a imparcialidade. É isso que se exige do jornalismo e dos comentadores como agentes facilitadores de compreensão de fenómenos e infelizmente não é isso que está acontecer.

A nossa imprensa é feita de induções. Os nossos jornalistas transformaram-se em futurologistas. Os nossos comentadores escolheram dois alvos a abater, CNE e Conselho Constitucional. Transformaram os partidos políticos em vítimas dessas duas instituições ilibando-os de quaisquer erros. Eles são mais limpos que a virgem Maria.

Ignoram o reconhecimento dois erros que esses partidos já vieram assumir porque já escolheram os seus tambores. Eles fazem os seus ritmos de vítima e convidam o eleitor a dançar numa coreografia pior que a da dança contemporânea do meu ângulo de visão é claro.

O engenheiro Venâncio Mondlane, o comentarista mais concorrido de momento, no seu esforço de neutralidade apareceu na STV a fazer um recorte daquilo que ele considera o mundo. Para ele em nenhum tribunal do mundo não se tomam decisões até altas horas, ou fora do horário normal do trabalho. É mano, deixava claro que o que ele nunca ouviu ou viu é porque não existe.

Como tantos outros comentadores de momento recorrem sempre a artigos para suportarem as suas opiniões. No entanto eles pegam os artigos como partes isoladas e não como partes integrantes de todo um pacote de lei.

Para mostrar o fracasso do CC, engenheiro Venâncio levou aos estúdios daquela estação emissora uma banana. Estava constantemente a apalpar o bolso como para certificar se ela não teria cedido a temperatura e amolecido. Depois a exibiu mostrando que estamos num país das bananas.

Claro que estamos num país das bananas. Quando temos comentadores e jornalistas que no lugar de ajudarem a compreender os fenómenos de uma forma global escolhem apenas partes para nos darem como verdades absolutas, não ajudamos a desenvolver esta pátria amada.

Eu acho Sitole, que este país está habituado a se fazer tudo sem se respeitar a lei. Estamos num país onde as pessoas estão preparadas a perdoarem a qualquer infracção em nome da estabilidade. Mas a nossa paz e liberdade não pode ser feita a custa da escravatura.

Alguns diplomatas vieram juntar suas vozes (largamente discutida aqui), a mais elevada e irritada delas foi do encarregado de negócios dos EUA, Todd Chapman que falava de uma democracia inclusiva. Hawena, é incluir só por incluir?

Penso que a democracia tem regras e todos as conhecem, assim como todos nós sabemos que as regras são para serem cumpridas.

Mas vamos vivendo esta saga eleitoral mano, com comentadores das bananas que se convencem que são— como diria personagem da telenovela Chocolate com Pimenta – donos e proprietários da verdade. Se esquecendo mano que a única vantagem que têm em relação aos outros é o acesso ao microfone e a páginas dos jornais.

Prometo mano ir ver a gala dos 30 anos da companhia. Mesmo que seja dança contemporânea, faço esse sacrifício para que me contes como são as chinesas.

Aquele abraço, desta pátria onde se o assunto for cuidar dela, me assumo parcial.

PC

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A Renúncia

Eu só peço a Deus

Um pouco de malandragem

Eu sou poeta

E não aprendi a amar

Cassia Eller em Malandragem

Se me amares…

Não sei quanto dura uma relação, mas sei quanto tempo terei de ganhar te fazendo carícias enquanto te falo das histórias que não foram contadas.

Ligo TV e me agride a repetida imagem de campanha eleitoral com destaque para a violência. Eles sabem meu amor que se agridem. Este é o momento para descerem a terra e se comportarem como simples mortais.

Este é o momento de abraçarem aquela velha senhora desdentada surpreendida por uma brigada porta-a-porta quando voltava da machamba e se atiraram para os seus abraços esquecendo-se do banho que ela não toma há anos.

Dizem que são do povo.

Mas nós sabemos que não são meu amor. Nós sabemos que são blindados pelo seu poder. Nós sabemos que depois se irão embora e a mais curta distância que haverá entre nós será pela TV.

Mas, sabes, é política isso meu amor.

Se me amares… renuncio a sexta-feira. Sei que vou perder as belas companhias no bar da Celeste onde as horas nos traem correndo para amanhecer. É lá onde exibimos a nossa masculinidade e chamamos ladrão a qualquer um sem termos de provar.

É bom estar lá.

Mas se me amares não te deixarei sozinha em casa. Te farei companhia a cada instante arriscando a minha reputação na acusação de me teres engarrafado.

Enquanto não me dizes sim…

Vou me perdendo nesta TV, vendo todos os telejornais formados de campanha eleitoral. Violento o remoto como se fosse culpado pela programação “vocês não estão cansados de serem ex…” clic “eles é que des…”clic. “Fomos ro…” clic.

Já sei o que vão dizer.

Pode se ouvir da minha janela os gritos e buzinas de uma falsa satisfação. Vota… Vota… “a tua vida vai mudar”… “somos alternativa inclusiva”.

Fico neste meu canto a espera de um sinal teu.

PC Mapengo

Acompanhe o debate que corre aqui

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Carta de Índico

O simples facto de se dizer

que todos são iguais perante a lei,

já é uma injustiça

Não me lembro onde li isto



Matola, 2 de Setembro de 2009

A Ouri Pota

Te recordas das noites quentes de Maputo, mano?

Te escrevo cá do Indico meu irmão, onde ainda saboreamos timidamente, pelas rádios nacionais, as gostosas músicas dos Gorwane e Celso Ricardo anuncia, pelo menos uma noite do Alambique com o bom do Hortêncio Langa e Arão Litsuri.

Quando assunto é arte me assumo saudosista. Isto vem dos tempos que percorríamos as noites de Maputo nos intermináveis “concertos Verão” de Alex Barbosa em que a capital se transformara no poço dourado dos músicos angolanos primeiro e cabo-verdianos mais tarde.

Te recordas mano? Éramos jornalistas culturais.

Nessa altura os debates televisivos e radiofónicos preenchiam duas horas a discutirem se era música moçambicana ou música feita por moçambicanos. Até hoje não sei o que se pretendia porque os meus manos dos MOZPIPA não pararam de cantar morena de Moçambique e as mulheres se deliciavam com a sua forma elegante de vestir.

Nessa altura, mais do que discutir, mano, o país que saía de uma longa guerra civil – é esta a denominação não? Guerra civil? – dizia que mais do que discutir terminologia, o queríamos era saborear a paz. Era não perdermos tempo com a paternidade da democracia, já nos bastava sairmos a noite para vermos jazz e aplaudirmos a explosão teatral que se fazia sentir pelas ruas da capital.

Nessa altura o teatro era muito mais que uma simples arte de contar história. Era um micro espaço onde os actores se revestiam de alma de todos nós e reinventavam os seus sofrimentos. Gilberto Mendes, tal como na brincadeira das escondidas de mutumbela iria gungular que é preciso rir das próprias desgraças. É nisso que se transformou ou se fez o teatro de Gungu: um espelho de nós mesmos em todas as nossas vergonhas.

Mas não tínhamos nada que discutir política como diz a música angolana que Valdemar Bastos não se cansa de recriar e o fez muito bem com Dulce Pontes – você menino não fala política.

Sim mano, já nos bastava sermos cidadãos desta princesa de Índico. Olha que ser cidadão nesta nossa terra não é coisa fácil. Não falo de renuncia que cada um de nós se sujeita na altura de votação, onde nos dizem que é a melhor altura para exercer a cidadania. Falo concretamente de falta de opções para o tipo de cidadão que desejamos ser.

Sim mano Pota. Nos dão várias opções mas todas elas com um único modelo como se fosse uniforme prisional.

Percebes?

O que quero dizer é que este nosso país vai as eleições no próximo mês e ainda não me ofereceram alternativas para a escolha. Me dizem simplesmente que o partido no poder está errado e que precisamos de o afastar.

Mesmo que isso fosse verdade, preocupa me a inexistência de alternativa; preocupa-me que ainda não tenha aparecido ninguém a apresentar-me uma forma alternativa de fazer as coisas que diz estarem erradas do partido no poder, a dizer me: o meu plano é este.

Naquela altura não podíamos discutir porque precisamos dançar pela paz e saborear a liberdade de percorrer as distâncias desta pátria amada. O espectro da guerra pairava no ar.

Passados tantos anos, há gente que ainda não se apercebeu que o país avançou e ainda repetem o mesmo discurso como arma eleitoral. Perdem-se em insultos e promessas de perseguição e o tempo de apresentarem as suas ideias escasseia, voa.

Num debate televisivo sobre a democracia interna que vi em repetição hoje na STV, o maior tempo foi para os membros da Renamo presentes dizerem que não havia democracia na Frelimo e os da Frelimo dizerem que a Renamo, em face do que nos dá a conhecer, era o mais claro exemplo da ditadura. E daí?

E olha que os nossos partidos são especialistas em desculpas. A velha cantiga de falta de fundos para trabalharem não falta, como também não falta a já velha e gasta ideia de favoritismo de Estado por parte da Frelimo.

Estou a dizer mano Pota que não há exposição de ideias.

Ontem estava a ver na RTP a Grande Entrevista de Judite de Sousa e José Sócrates, onde o Primeiro-ministro de Portugal dizia claramente que a escolha seria, para além de propostas que ele e Ferreira Leite apresentam, as suas personalidades.

Está claro que Portugal vai escolher a personalidade do indivíduo. Um grupo de especialistas de moda já veio dizer que para impressionar, Ferreira Leite deve mudar tudo enquanto Sócrates deve mudar personalidade.

Que personalidade apresentam os nossos políticos. Que discursos trazem para nos impressionarem, o que podemos esperar do nosso próximo líder? O que estou a perguntar é o que vamos escolher? É isso que espero que a campanha eleitoral prestes a começar nos apresente.

Mas, meu companheiro, não preciso ser advinho para saber que a campanha será feita de insultos pessoais, provocações entre os apoiantes e os porta-vozes a esforçarem se para (como crianças) dizerem foram eles que começaram.

Depois dos últimos acontecimentos de vandalismo entre os simpatizantes da Frelimo e Renamo onde se diz que o líder da perdiz andou aos tiros, onde se diz que os membros dos camaradas saíram armados; com um país onde membros da perdiz arrancam armas a polícia por aquilo que chamam de “abuso” não posso esperar muito, nem mesmo me que me digam que somos todos iguais perante a lei.

O que espero, mano Pota, é te escrever sobre os livros que estão a ser lançados, continuar a discutir com os meus amigos da CNCD por causa da minha aversão a dança contemporânea.

Hoje vou ver um bailado de Casimiro Nhussi sobre ritual de iniciação, depois me perderei no Franco para o lançamento de disco de João Cabral e, procurarei ver a Rebelião dos Sinais, a peça de Rogério Manjate.

Mano, quando voltares espero que te sobre tempo para veres a minha peça de teatro com Xilofone.

Um abraço

PC